segunda-feira, 31 de julho de 2017

CAIXA DE MÚSICA 276

Roberto Rillo Bíscaro

A despeito do sobrenome, Denise Nicole White é negra. Como outras divas R’n’B aqui resenhadas, a norte-americana deve o grosso de sua formação musical aos coros de igrejas, apesar de ter estudado piano antes de ingressar em um deles. Na faculdade, ela se matriculou na graduação em piano, mas, desiludida com o programa, mudou pra filosofia, em que se formou.
Avery Sunshine é seu nome artístico e seu rol de fãs declarados conta com Boy George  e ninguém menos que a Rainha do Soul, Aretha Franklin. Cultuada por gente que vai de Bowie a Obama, passando até pela insuspeita Rumer, Aretha afirmou que “ama Avery Sunshine”. Nada mal pruma vocalista distante dos holofotes da mídia gigante, mas nada surpreendente pra quem conhece seu vocal altamente potente, pessoal e politonal.
A mágica solar de Avery continua em seu terceiro LP, Twenty Sixty Four, lançado em abril. Em tempos sintetizadamente sombrios de gritaria xiita de programa de calouros, Sunshine cunhou 14 faixas otimistas, tocadas por/com instrumentos de verdade e controlando seu poderoso vocal pra berrar apenas quando a canção pede e não pra mostrar que pode. Por isso Aretha a adora: são da mesma laia.  O álbum é tão bom que nem as indefectíveis vinhetas das cantoras atuais interferem, pelo contrário, contribuem de verdade com a ambiance.
A positividade que emana do trabalho vem em parte, porque Avery Sunshine recentemente se casou com seu guitarrista/produtor, Dana Johnson. Tem até trecho da cerimônia, com a cantora chorando e tudo. Relacionando-se há tempos, mas escaldados por relacionamentos prévios, ambos juravam que jamais se recasariam, até que o bofe pediu sua mão. Nesse momento, Sunshine conta que orou pedindo que se Deus os deixasse juntos até 2064 (Twenty Sixty Four), ela se exercitaria diariamente e pararia de dizer palavrões e comer demais.   
Desconheço se a promessa está sendo cumprida, mas mesmo que não, espero que Papai do Céu faça vista grossa, levando em conta a dádiva musical que a cantora e seu marido nos consagram.  O álbum transborda do clima sofisticado e criativo, muito devedor a inovadores como Steve Wonder. Quando o negócio é falar de amor sexualizado, melhor apelar pra Barry White, como na acariciante Kiss And Make It Better. Lisa Stansfield deve ter tido frêmitos de prazer, se ouviu isso e nós que adolescemos ao som da britânica, estamos perfeitamente equipados pra amar Twenty Sixty-Four.
As vinhetas não atrapalham, porque a maioria do material é de baladas quiet storm (Heaven Is Right Here); soul funk, como na faixa-título, totalmente amável por fãs de acid jazz ou jazz de piano, como no encerramento do LP, em Sweet Hour Of Prayer. Nada incomum em álbuns negros estadunidenses, o final desse é bem devocional. Confira a guitarra country contraposta ao discreto órgão gospel de Prayer Room. Em Everything I’ve Got, a guitarra discreta é mais rock, porque a balada é de paternidade púrpura de Minneapolis. A exceção espevitada contagiante é Used Car, milagre Motown em pleno século XXI. R’n’B pop com guitarrinha apimentada de blues; prepare-se pra encarnar uma Shirelles ou Marvelettes rápida e cair na dança. 
Não há uma nota fora do lugar, tanto na instrumentação, quanto na cantoria, em Twenty Sixty Four. Se este álbum ficar de fora das listas de melhores da soul music, em 2017, o meteoro destruidor definitivamente tem que nos atingir.

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