quinta-feira, 20 de julho de 2017

TELONA QUENTE 194

Resultado de imagem para a noiva do diabo
Roberto Rillo Bíscaro

A Idade Média e a Igreja Católica não infrequentemente são as únicas associadas à caça e morte às bruxas. Embora a Inquisição envergonhará eternamente a Santa Madre Igreja, a Reforma Protestante foi responsável por um banho de sangue e carne queimada em várias partes da Europa, já na Idade Moderna. Dramaturgicamente, os mais famosos julgamentos por bruxaria são os de Salem, cidade norte-americana nas cercanias de Boston. Arthur Miller e Hollywood se encarregaram disso.
Na protestante Europa setentrional, houve ferozes e interesseiras perseguições a hereges, em sua maioria mulheres. Estimativas que chegam a muitas dezenas ou centenas de milhares de óbitos, sem contar as torturas. Na Escandinávia, os julgamentos e execuções de quase 100 mulheres, em Vardø (1621), são o primeiro caso de histeria maciça provocada pelo temor às forças satânicas.
Ano passado, a diretora Saara Cantell tematizou a primeira caça sistemática às bruxas na Finlândia, que aconteceu em 1666, na ilha de Åland, a meio caminho entre o país e a Suécia. Embora na Finlândia a maioria dos condenados por bruxaria tenha sido homens – grande exceção – A Noiva do Diabo apresenta o familiar cenário de mulheres pobres e/ou meio doidivanas acusadas de pactos diabólicos, os quais confessam por livre e espontânea tortura.
Um juiz sueco metido a proto-Iluminista chega à ilha e fica chocado com a fluidez com que a fé cristã se entrelaça com crendices e superstições pagãs. Saber que a Finlândia era famosa em toda a Europa por sua suposta feitiçaria e que pertencia à Suécia enriquecem o contexto interpretativo, pois a caçada aos costumes religiosos não-cristãos também está imbricada em relações colonizador/colonizado, não explicitadas pelo filme. Enquanto Nils Psilander crescentemente acredita e aplica nos indefesos sua vontade de acabar com a corrupção (discurso anticorrupção, flexível trampolim pra arbitrariedade) moral, a adolescente Ana apaixona-se pelo marido duma amiga e não hesita em denunciá-la.
Além da belíssima cinematografia, A Noiva do Diabo se sai melhor na parte histórica, digamos. O roteiro mostra como interesses pessoais, inclusive do clero, conduziam mulheres à m/corte. Papito estupra vigem, daí denuncia como bruxa a mulher que ameaçava denunciá-lo publicamente. Nossa milenar misoginia é escancarada e dói constatá-la.
A parte a que se propõe o título, porém, fica léguas a desejar. Ana e o amante não têm química, porque quase nem aparecem juntos; não dá pra empatizar direito com ninguém e por aí vai. A impressão é que Cantell queria falar sobre a situação sócio-histórica e usou o tal caso como mera desculpa. Se tivesse optado por entregar a alma ao incidente de perseguição religiosa, apenas usando os motivadores das denúncias pra que as entendêssemos melhor, A Noiva do Diabo seria superior e provavelmente teria outro nome.
Como ferramenta pedagógica pra despertar interesse de aluno, A Noiva do Diabo vai além de propiciar óbvio projeto multidisciplinar de História e Geografia. Em tempos onde mídia e redes sociais suspeitam, julgam, condenam e apedrejam tudo na mesma reportagem/postagem, podemos realmente olhar com superioridade aqueles caçadores de bruxas do passado?

A Noiva do diabo consta do catálogo brasileiro da Netflix.

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