terça-feira, 19 de setembro de 2017

TELINHA QUENTE 277



Roberto Rillo Bíscaro

Concluindo o comentário sobre as 2 temporadas primeiras de Bron/Broen, afirmei que não perderia tempo vendo a releitura anglo-francesa (The Tunnel), porque ela não conseguiria “replicar o intoxicantemente sublime”. Como sou meio mentiroso e tenho crises de abstinência mastodônticas, não resisti e testei-a há alguns meses. Não passei do segundo capítulo: não fui com a cara do elenco (bom, mas Saga e Martin são como marca de cigarro pra fumante; outra não tem o mesmo sabor, por isso, não satisfaz) e decidi que não compensava o trabalho de ler legenda, quando se falava em francês.
Há algumas semanas, nova crise de abstinência e a comodidade de a versão norte-americana estar na Netflix brasileira fizeram-me tentar The Bridge, cujas 2 temporadas foram ao ar pela FX, entre 2013 e 14. Justifiquei o salto no escuro até didaticamente: daria pra treinar inglês e espanhol num show só; olha que prático e proveitoso. E deu mesmo, pelo menos na primeira temporada.
The Bridge usa a premissa do original sueco: um corpo dividido em 2 é encontrado na ponte que liga El Paso a Juaréz e logo se descobre que metade pertence a um mexicano, metade a um norte-americano. Isso justifica que a detetive ianque meio autista Sonya Cross e o mexicano bonachão Marco Ruiz trabalhem juntos pra resolver essa ode sangrenta à monogamia (e o original é da “liberada” TV sueca, não do Vaticano ou da evangélica Record...).
A fronteira entre EUA e México fervilha de diferenças e possibilidades de assuntos em nível pessoal, político, econômico, social, cultural, enfim, muito mais diversa do que a fronteira Suécia-Dinamarca, embora países escandinavos estejam longe de serem iguais (o fato do sátiro ser o dinamarquês Martin na produção sueca é acerto de contas simbólico na perene batalha cultural entre as 2 nações). The Bridge não perde as oportunidades e na versão da FX temos imigração ilegal, carteis de narcotraficantes, até com subtramas inexistentes no original. Até aí nada demais, o problema é que vemos muito da violência, pobreza, corrupção e “atraso” apenas do lado mexicano, como se a terra do Trump fosse idílio que sofre com a violência e invasão do sul. Mas quem compra a droga em massa é playboyzinho, playboyzinha, playtiozinho e playtiaizinha ianque, né? Não que o show jamais reconheça isso, mas basta atentar pro que é mostrado no lado de El Paso e o que é no lado de Juarez e você entenderá a diferença de ênfase.
Por ser feita primeiro pro público norte-americano, The Bridge deve ter querido mostrar mais a alteridade pobre dos desafortunados estrangeiros. Certamente pro mais europeu norte, a explosão de tons fortes, calor e deserto do sul do Texas/norte do México pareça “exótica” e essa estranheza The Bridge capta bem, mas qual programa passado no sul não tem as mesmas imagens de deserto, com aquela guitarrinha blues? Aqui aproveito pra dar opinião desavergonhadamente subjetiva, já que isso é blog e não site imparcial (hahahaha) de crítica: acho um saco esse visual True Detective, Breaking Bad ou sei lá que raio, que na verdade remonta há décadas: gostei e maratonei The Bridge, mas a ambientação gélida e o tom insistentemente depressivo de Bron/Broen dão de zilhões a zero.
Apesar disso e embora Sonya não faça sombra à representação do possível Asperger, como sua original sueca, a temporada 1 é bem boa, prende a atenção, Demián Bichir é muito bom, assim como sua colega Diane Kruger. Passei logo pra segunda, curioso pra ver se seguiriam a trama de Bron/Broen, que envolve bio e ecoterrorismo. Na fronteira México-EUA, pensei, como?
Os produtores devem ter se perguntado o mesmo e a série começou a seguir caminho próprio, mantendo similaridade com a sueca apenas na subtrama dos demônios pessoais de Marcos. O foco dessa fase seria um assassinato em série de centenas de garotas e um túnel usado pra tráfico de pessoas/narcóticos. Que sono! Mais do mesmo de tantas outras produções. Aí sim o chavão da representação do sul com fundo musical de guitarrinha de blues pegou pesado e desisti no terceiro capítulo, acho, sem sequer terminá-lo. A Wikipedia conta que 42% do público televisivo fez o mesmo, quando da exibição pelo FX, levando ao cancelamento da série. Nota: Bron/Broen vai pra sua quarta temporada, enquanto sua cópias foram todas canceladas.
The Bridge funcionou apenas enquanto não se distanciou muito da grande estória do original original (repetição proposital). Os assinantes da Netflix deveriam exigir que a empresa comprasse os direitos de Bron/Broen pro Brasil, assim como detém os da cópia semi-bem-feita.

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