terça-feira, 5 de março de 2019

TELINHA QUENTE 350

Roberto Rillo Bíscaro

Não são poucas as histórias de gente enganada por gatun@s conhecid@s em redes sociais e aplicativos. Prejuízos materiais, traumas e até mortes resultam de interações com parceiros tóxicos, que se aproveitam de vulnerabilidades para conquistar corações e mentes. Como se a sensação de impotência, fracasso e culpa não bastassem, muitos não-envolvidos julgam as vítimas como burras, que não perceberam o “óbvio”. Falta de empatia e de lógica: fácil perceber armadilhas, quando se conhece a história completa.

Quando tomamos conhecimento de casos de exploração sexual/emocional/financeira, já partimos do ponto de vantagem de saber que o perpetrador fez algo errado; somos dados a conhecer o caso todo; percebemos e analisamos tudo depois dos fatos e não estamos emocionalmente envolvidos com e/ou vulneráveis perante @ meliante. Muito cômodo conceituar alguém como estúpido, a partir de posição tão vantajosa e segura. Sem contar que cobrar astúcia, perfeição e coerência, dos outros, é sempre mais fácil, para desviar o foco de nossas vidas, de longe tão certinhas, quanto pregamos que a dos demais deveria ser.

Bom, instrutivo e até agradável meio de refletir sobre a injustiça de cobrar perfeição alheia e desenvolver a tão necessária e escassa empatia é ver a minissérie Dirty John – O Golpe do Amor, disponível na Netflix. Baseada num podcast de sucesso sobre um caso verdadeiro, Dirty John é algo como releitura de releitura da “verdade”. Mas, o que importa, e pode ser muito amadurecedor, é perceber a jornada de Debra e as demais mulheres enganadas e violentadas (não necessariamente no sentido sexual) pelo predador John, que cresceu achando que tinha direito a tudo e a todos. O mundo tinha que ser dele, era só se servir.

Debra Newell parece sonho Barbie de meia-idade: linda e bem-sucedida. Mas, se envolve com o John do título, que sai praticamente direto da cadeia para a cobertura de luxo da empresária. Suas filhas percebem que é golpe; seu sobrinho se dá conta rapidinho e John os afasta, humilha-os até. E Debra, nada.
Simples ficar bravo com ela e até cair no cruel discurso de que mereceu o que passou. Mas, e se ao vermos a série tentarmos nos colocar na condição de Debra, nem que seja apenas para entender sua posição? Num mundo hipocritamente regido por impossíveis sonhos e vidas de conto de fada de felizes para sempre, Newell fracassara em quatro casamentos. Imagine o peso para alguém em outras áreas tão bem-sucedida, ser incapaz de construir relacionamento instagramável. Bonito e gostoso, John falou o que Debra precisava ouvir e suas defesas ruíram. 

Dirty John é meio lenta no começo e tem hora que parece filme da semana do Lifetime ou Hallmark, mas, as atuações são ótimas e conhecemos o passado sombrio e predatoriamente assustador de John, através de inúmeros flashbacks, que começam a pipocar pra que possamos entendê-lo. E compreendê-lo não implica o acharmos menos bastardo.

Versão mais adulta e “real” da também netflixiana Você, Dirty John alerta também pro des/serviço da tecnologia e da exposição nas redes sociais e aplicativos. A carência de Debra foi alimentada e aproveitada pela lábia e pelo peitão de John num aplicativo e ele a vigiava sem cessar por rastreadores diversos. Mas foi essa mesma tecnologia de Grande Irmão, que uma das filhas de Debra usou contra o padrasto from hell.

E o desfecho de Dirty John é mais redentor pro expectador do que o de Você. Por mais que compreendamos também o lado ode John, difícil não soltar um “bem-feito” pro que ocorre com ele e, mais ainda, surpreender-se com a mão que causará a punição. 

Se você quiser conhecer os protagonistas reais da história, a Netflix também oferece o documentário Dirty John: a verdade nua e crua. Cerca de 90 minutos, nos quais fatos mais detalhados são revelados e, pra mim pelo menos, tirou uma cisma. Eu achava que as duas atrizes interpretando as filhas de Debra exagerassem no sotaque patricinha de fala gutural esganiçada. Não, a família Barbie de Debra fala assim mesmo, yikes!

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