segunda-feira, 25 de março de 2019

CAIXA DE MÚSICA 358


Roberto Rillo Bíscaro

Nani Medeiros cresceu influenciada por seus irmãos músicos, então, seu diploma de bacharel em direito (como o paulista Flávio Tris) tem menos importância pro mundo, do que seu trabalho como locutora, apresentadora e atriz. Fã de Elis Regina, Medeiros lançou seu primeiro álbum ano passado.
Valentia traz dezena de faixas, onde o samba dá o tom à metade do material: Sabor Amargo, Negra, Não Volto Atrás, Ilê e a faixa-título porão suas cadeiras pra requebrar.
Sétimo Drinque é samba, mas bossa, com letra totalmente sinestésica, uma maravilha, num trabalho que só traz inéditas e mostra que a MPB vai muitíssimo bem, obrigado. Tem até chorinho abolerado com letra de bofe sofredor, melodramatizando em mesa de bar, confira Batom Azul. Coisas Raras é seresta; Coração Passageiro, ijexá e Viver do Mar, aquelas solenes baladonas MPB só ao piano, linda.
Valentia traz arranjos límpidos, certeiros pra agradar apreciadores de vozes femininas cristalinas, entoando MPB com sabor anos 70.
Mais informações no site de Nani Medeiros.

Livia Mattos começou no circo, então, performance e criação musical pra cenas sempre estiveram em seu rol de habilidades e interesses. Sanfoneira e integrante da trupe de Chico César, Lívia excursiona pelo mundo, solo e com Chico. Além da música, dedica-se à carreira acadêmica. Formada em sociologia pela Universidade Federal da Bahia, dedica-se a resgatar narrativas e experiências de profissionais circenses idosos, pra preservar suas memórias.
Com tantos influxos artísticos, educacionais e de vivência estradeira, o som de Lívia Mattos não poderia se restringir a folclorismos sanfoneiros xotados ou forrozeiros. Não que houvesse erro se assim fosse. Em 2017, saiu o totalmente autoral Vinha da Ida, que mostra artista pesquisadora e unificadora de tradição e modernidade. 
A dezena de canções começa com o filé-mignon da faixa-título: sem usar electronica, Livia cria pop com sanfona fracionada e barulhinhos, que não faria feio se comparado aos experimentos do mineiro Psilosamples, em sua fase Mental Surf. Outro ponto acima da média é a circense Melodia-A-dia, música de picadeiro, cheia de efeitos e onde o limite do silêncio chega ao desconforto: há duas interrupções tão longas que você pode pensar que houve problema com seu player.
O resto de Vinha da Ida nem de longe é tão aventureiro, mas isso não significa debilidade. Quando a sanfona vem mais sassariqueira, carimbozada ou forrozada, sempre é em conjunção com toques latino-salerosos, uma delícia, como em Vou Lá, Mais Eu e O Que Eu Quero Levar? Pra descer o bundão até o chão! A malemolência reggae-xoteira de Amarear tem a participação de Chico César; Deixa Passar também flerta com o tradicional nordestino (o que quer que isso signifique), mas seu espírito é pop, porque tem outros temperos no caldeirão. E isso qualifica Vinha da Ida pra públicos mais amplos e sequiosos por novidade feminina na/da MPB.

Da cena recifense vem Isadora Melo, poliartista, que atua na TV e teatro, além de sempre ter estado envolta em música, desde a infância. Depois de participar de álbuns e turnês de diversos músicos, Isadora decidiu aventurar-se solo e em 2016, saiu Vestuário, delicado álbum de estreia, onde os arranjos doces e discretos realçam a delicada voz. Não é pra qualquer uma ter o violoncelista Jaques Morelenbaum já tocando no início da carreira. Ele é internacionalmente renomado como instrumentista e arranjador de trabalhos emblemáticos de Tom Jobim, Caetano Veloso, Gal Costa e Ivan Lins.
Vestuário não utiliza percussão, apenas acordeão e cordas, como violão, baixo, guitarra e bandolim. Esse minimalismo de renda fina não apenas ressalta o canto cristalino, como faz com que muitos arranjos sejam uma espécie de eco de subgêneros. As duas versões de Partilha comprovam que o leque propositalmente bem finito de instrumentos jamais deixa o álbum cair no tédio repetitivo, além de definirem bem essa ideia de “eco”. A primeira versão é nitidamente a desaceleração d’alguma xotice nordestina, mas as cordas não escondem a influência fadista da música portuguesa na nossa. Daí, quando se escuta a versão que encerra o álbum, constata-se que a despeito da igualmente parca instrumentação, a canção vira outra coisa.
Mimoso e intimista, Vestuário traz pelo menos uma faixa indispensável, a divina Braseiro. Se fosse só por ela, Vestuário já merecia audição. Mas não é, ele é todo lindo.

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