terça-feira, 12 de março de 2019

TELINHA QUENTE 351

Roberto Rillo Bíscaro

O Hitchcock Que Virou MacGyver

Deve ser coisa acentuada a partir do século XIX essa idealização e romantização da gravidez. Maternidade e mulheres esperando bebês sempre derretem corações, mas uma recrutadora me contou que evitava contratar mulheres, porque davam prejuízo à empresa com licença maternidade e afins. E você leu corretamente, recrutadorA.
Os dois capítulos iniciais de The Replacement (2017) funcionam maravilhosamente bem como crítica social a certos comportamentos e expectativas com relação à gravidez e gestantes. A minissérie é sobre Ellen, arquiteta bem-sucedida, em Glasgow, que engravida em meio ao projeto mais importante de sua carreira. A firma contrata Paula Reece pra substitui-la na licença-maternidade e não demora até que Ellen suspeite que a novata esteja tramando pra assumir seu posto, em mais de uma instância.
Os dois terços inicias de The Replacement apontavam pra mais um arraso da BBC. Ellen e Paula possuem históricos suspeitosos, então estabeleceu-se clássica ambiguidade de thriller psicológico: Paula é psicopata ou tudo não passa de paranoia de Ellen, que se sente insegura de perder o emprego e a individualidade, porque todo mundo passa a tratá-la paternalisticamente e a ver apenas um bebê numa mulher e não mais o ser-humano Ellen. Algo como Alfred Hitchcock filmando um episódio de Black Mirror. Atente para o uso dos silêncios e das portas de vidro do escritório.
No terceiro episódio, parece que o diretor/roteirista Joe Ahearne viu episódios de MacGyver e filmes como A Malvada. O que cozinhava em banho-maria vira sucessão de ações sem nexo, divertidas porque de suspense, mas sem nuance alguma. Sabemos quem é a vilã, o marido de uma toma decisão estapafúrdia, assim, do nada, e tem até ligação direta em airbag. Porque, afinal, todo mundo que fica preso num carro sabe como sair inflando o airbag mediante ligação direta, né? Básico, gente, ensina na autoescola, ah vá! Sem contar que a personagem estar presa no auto não tem lógica, mas isso você descobre se decidir dar uma chance pro sotaque escocês difícil de decifrar de The Replacement. E se você entender, me conte porque uma melhor amiga marcaria encontro à noite, numa construção, pra contar algo que poderia ser dito tranquilamente pelo telefone ou frente a uma caneca de machiatto.
Ah, e ao final, quando um cara fala uma frase que é supertípica em inglês, de alguém ser um “emprego em tempo integral”, a mulher - devidamente fora do mercado de trabalho - replica “ela não é um emprego, é minha filha”. Margo Channing deve ter se sentido orgulhosa.

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