terça-feira, 1 de janeiro de 2019

TELINHA QUENTE 342



Roberto Rillo Bíscaro

Quando descobri que o original de Segredos e Mentiras era australiano, vi um seguido d’outro: primeiro as duas temporadas da cópia norte-americana (tem na Netflix) e depois a matriz.
Com a minissérie The Slap experimentei. Como Secrets & Lies, a original é australiana e a releitura, ianque. Ambas são adaptações do romance homônimo do greco-australiano Christos Tsiolkas. São leituras do mesmo livro e não série original e adaptação. Mas, como o blog não se presta a discussões acadêmicas, sigamos com minha experiência: por se tratarem de oito episódios, escolhi dias em que tinha tempo de ver dois: primeiro o australiano, imediatamente depois, o estadunidense. Foi assaz instrutivo.
O Tapa envolve o antes e o depois de um incidente em uma festa entre parentes e amigos. O insuportável garotinho Hugo faz tanta pirraça, que um amigo da família o esbofeteia com gosto e vontade, bem no meio da fuça. Isso vira litigio judicial e suas implicações nas vidas e relações das personagens são abordadas em capítulos que levam nomes de alguns deles, como a dizer que o foco está neles no episódio tal.
Se eu me interessasse em ministrar curso de roteiro ou análise de, adotaria esse experimento para compor toda a disciplina. Apesar da espinha dorsal do show australiano estar replicado em detalhes, trata-se de duas abordagens diametralmente distintas. Os australianos fizeram mini centrada nas personagens, ao passo que sua parente americana, tipicamente, salientou a trama.
Tal efeito foi conseguido através de inúmeros estratagemas – daí esse experimento poder virar uma disciplina de pós, facinho, facinho. São tempos diferentes em cada episódio; mudança na ordem de alguns; ocupações e classe social distintas; detalhinhos como um tiozinho preferir cocaína e o outro maconha (maconha é ‘do bem”, até presidenciável defende já, sacam a sutileza?); um ancião que tem ereção matinal e outro que tenta arremedar seu papel de patriarca já sem função, conseguindo um advogado predador; um aborto aqui, uma mãe terminal acolá.
As diferentes abordagens fazem com que a versão australiana tenha certo jeitão de cine indie, ao passo que a posterior,  mais de novelão metida a visual de filme de Woody Allen (a ianque se passa em Nova York). A leitura dos Estados Unidos é mais autocentrada em seu universo de classe-média alta, enquanto a original flui muito mais para questões de multiculturalidade. Sob esse prisma, dá pra perceber direitinho, como o arco-íris de tons de pele na atual TV norte-americana é mera ilusão.
Não posso dizer ter gostado mais duma ou doutra; ambas têm perdas e ganhos, mas uma coisa me incomodava e foi a norte-americana que, mesmo que de raspão, comentou isso. Que bando de gente idiota é aquela que leva aos tribunais um assunto desses, sem jamais questionar esses pais que não deram a menor educação ao pirralho? Mais de um expectador certamente terá ganas de esmurrar o menino, que usa raros discos de jazz como frisbee e cospe em idosos. Sorte que a juíza ianque dá uma lavada naquela gente, que, de verdade, precisava dumas cozinhas bem sujas pra lavar e ocupar as cabeças ocas. Especialmente as da versão norte-americana, mas lembre-se de que a ênfase aí é na trama. Viu? Perdas e ganhos...

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