domingo, 1 de agosto de 2021

SONHO ALBINO EM ANGOLA

 Albinos sonham com um país sem discriminação


A comunidade angolana de albinos continua a sofrer com a exclusão em todas as dimensões da vida (económica, social, política) e reclama por acções afirmativas que ajudem a transpor as dificuldades.


A análise do contexto sociocultural é essencial para desenhar políticas públicas correctas, que cumpram o ob-jectivo de construir soluções para todos. Sem excepções.

Três senhoras de camisas simples e pele bem clara e cabelos amarelos estão sentadas no auditório do Cefojor, em Luanda. Depois saem da sala em conjunto.
Celeste Domingos, 37 anos, deslocou-se de Caxito (Bengo), com o recém-nascido nos braços para acompanhar a 1ª Conferência Pró- Albinismo em Angola, que aconteceu ontem e foi organizada pelo Movimento Pró- Albino e pela Associação de Apoio aos Albinos de Angola (mais conhecida como 4 As).
Celeste vende pão na pracinha e acomoda-se com a mãe, o marido e mais quatro filhos na mesma casa. Diz não enfrentar grandes problemas no seio familiar, ao contrário de Luzia Albino, 47 anos, que apenas vive com um tio e mais cinco filhos.
“Já tenho filhos com vinte anos, mas não consigo apoiá-los devido às dificuldades financeiras. Estou desempregada, já trabalhei na limpeza de instituições públicas mas neste momento estamos assim. Não tenho possibilidade de comprar os cremes de protecção solar e as pomadas para proteger a pele”, explicou.
Ao lado das duas amigas está Conceição Daniel, 31 anos e quatro filhos. Escuta as conversas e percebe-se pela expressão facial que também pretende intervir.
“Em Caxito, estamos a precisar de apoio, necessitamos de pelo menos uma farmácia onde seja possível comprar o protector solar a preços mais acessíveis. Em Caxito faz muito sol. Praticamente não saio de casa. E procuro banhar três vezes por dia”, disse Conceição Daniel ao Jornal de Angola. Os cidadãos portadores de albinismo enfrentam três grandes problemas ao longo da vida: baixa visão, extrema sensibilidade da pele e as questões culturais e psicológicas que acabam por ter um grande impacto no dia-a-dia.
O contexto acaba por moldar comportamentos, atitudes e até os gostos que parecem muito pessoais mas que, no fundo, são resultado de várias influências. E os países têm responsabilidades acrescidas na defesa dos direitos dos cidadãos. Segundo o artigo 21.º da Constituição da República de Angola (relativo às tarefas fundamentais do Estado), o país tem o dever de assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, promover políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saú-de e promover sem preconceitos a igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos.
Xavier Agostinho tem o ensino médio completo (em Ciências Humanas e Sociais) e vive no Cazenga (Luanda). É num dos maiores e mais antigos bairros da capital que a associação 4 As tem a sua base. Vive apenas com um tio e admite que “a convivência familiar e social não é saudável”.
“É aqui que as responsabilidades sobem para outros níveis. Cabe ao Governo trabalhar para melhorar a inclusão social dos albinos, seja no trabalho, na escola ou na saúde pública”, frisou.

Educação para a inclusão
A diferença sempre chama à atenção da sociedade e das pessoas em geral. Nascer com uma cor da pele totalmente oposta à dos pais e restantes familiares pode ser um es-cândalo. É necessário olhar com muita atenção para os mitos, rituais e tradições.
Armindo Jaime Gomes, também conhecido por Arja-go, é natural de Benguela. Tem como foco principal o estudo do acervo pré-colonial umbundu. Ainda que o seu interesse seja abrangente, já abordou a questão do albinismo dentro da cultura do Planalto Central.
“Até a década de 1930 não era fácil encontrar um albino naquela região”, explicou. “Julgo que a introdução da Missão do Dondi e as novas abordagens que promoveu deram origem a algumas mudanças. E eliminaram ou modificaram tradições”, disse Armindo Jaime Gomes.
Segundo o professor da Academia Militar do Exército, no Lobito (Benguela), na língua umbundu a palavra que define o albinismo é ohasa. “Entre outras possíveis traduções, em português significa praga, medo ou azar”, explicou.
O nascimento de um albino significava que os ancestrais estavam descontentes com alguma atitude dos progenitores. Algo cometido no passado seria motivo de penalização para o presente - com o nascimento de uma pessoa albina - e para o futuro. Era sinal de péssimo agoiro.
“Hoje o contexto é diferente. Já temos pastores, líderes comunitários e deputados albinos. Significa que a tradição, a cultura, também se vai alterando. Defendo que a mudança de mentalidades em relação ao albinismo deve ser reforçada ao nível da educação formal da escola. A educação é a solução”, acredita Armindo Jaime Gomes.
Pascoal Ovídio é dermatologista no Hospital Américo Boavida, onde o serviço especializado acompanha 513 pacientes com albinismo. Acredita que a solução para amenizar a vida das pessoas está na educação, informação e comunicação. Com uma ressalva.
“Para lá das questões básicas é preciso que o sistema público de saúde funcione devidamente. E ainda antes deste tema, precisamos de empoderar as pessoas e dar-lhes dignidade”, acredita o dermatologista.
Também ao nível das so-luções para mitigar os problemas da pele, Pascoal Ovídio defende uma abordagem específica.
“Tal como desenhamos programas específicos para determinadas doenças também devemos fazê-lo para o albinismo. Defendo que estas pessoas devem ter acesso aos cremes e protectores solares de forma gratuita”, disse o especialista.
A Conferência Pró-Albinismo em Angola contou com a presença do secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke, da Justiça e Direitos Humanos, Ana Celeste Januário, e dos Assuntos Sociais, Ruth Mixinge.

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