terça-feira, 21 de abril de 2015

TELINHA QUENTE 160


Roberto Rillo Bíscaro

Matador é o nome dinamarquês do jogo Banco Imobiliário. A palavra também se refere a empresários. Esses 2 significados explicam boa parte do que acontece nos 24 episódios de Matador, originalmente exibidos na Dinamarca entre 1978/82. Orgulho nacional e detentora do índice de audiência mais elevado do pequeno país, a série chega a ser usada em aulas de História pra ilustrar como era a vida nas décadas de 1930/40. Escandinavófilo de carteirinha, chequei o porquê de tanta devoção. Caiu o queixo, mesmo sabendo que esses vikings são danados. Matador tranquilamente entraria pruma lista dos 100 melhores shows da TV mundial.
Com humor e drama, Matador mostra como funciona a História socioeconômica através duma cidadezinha fictícia onde um forasteiro esnobado decide fixar residência, abrir uma loja e por entender o valor do dinheiro na nova fase do capitalismo iniciada pela crise de 29 (e depois concluída pela Segunda Guerra), que limpa os atrelados à tradição, mas incompetentes na gerência de seus negócios e os preocupados com nome de família. A nova ordem capitalista bonifica quem trabalha duro sem se importar com origens (mas quando se estabelece passa a se importar sim senhor!).
Mads Andersen-Skjern é protestante, não bebe, não pragueja, não fuma, é o sonho weberiano da moral protestante que passa por privações pra prosperar. Ele empresta dinheiro no fundo de sua loja, aproveita-se da ruina dos fazendeiros, tudo sob o pretexto de que trabalha duro e reconhece que tem que fazê-lo porque os herdeiros do banco e da loja de roupa locais – desadaptados aos novos tempos – jamais precisaram ser assertivos ou ousados, porque já ganharam as propriedades, ao passo que Mads tinha que construir suas posses.
Englobando o período de 1929 a 1947, a série também mostra como o capitalismo é maleável o bastante em seus acertos pra que uma nova leva de negociantes e burgueses se junte aos sobreviventes adaptados às condições mutantes do modo de produção, que muda pra permanecer inalterado.
Não desanime ou fuja quem não curte didatismo ou acha que arte não deve se misturar com o “meramente” político. Matador é muito bem roteirizado e planejado, por isso, essas e outras interpretações são obtidas mediante as ações/reações das personagens e não através de discursos ou capítulos-aula.
A série apresenta personagens de distintas classes sociais e seus problemas como preconceito, problemas conjugais, velhos costumes feudais se diluindo, conflito de gerações, escassez de produtos durante a guerra, a Resistência danesa e muito humor dinamarquês.
Realmente nos interessamos e importamos com o amor Romeu e Julieta de Elizabeth Friis, do clã dos tradicionais Varnæs, e Kristen Andersen-Skjern, gerente do banco fundado pelo rival Mads; nos divertimos com os comentários da viúva de Fernando Mohge; torcemos pela e damos boas-vindas à transformação de Vicki; nos comovemos e desejamos pra que Herr Stein não seja capturado pelos malditos antissemitas alemães durante a ocupação e nos emocionamos quando a até então frívola, neurótica e insuportável Maude um dos agentes que pode levar à salvação do contador.
O Tr(i)unfo de Matador reside na credibilidade das personagens; na perícia de manter uma história interessante por 24 capítulos; pelo elenco excelente que, aliado aos componentes técnicos, tornou todas as personagens quase como nossos velhos conhecidos; pela introdução de ideias, comportamentos e conceitos hoje totalmente introjetados quando pensamos em Dinamarca, mas que descobrimos recentes. Maior tolerância ao aborto, emancipação feminina e à homossexualidade são quase clichês quando se fala na pequena península. Matador explora as reações, motivações e posicionamentos sobre esses e outros temas.
Decepcionar-se-á quem achar que por tematizar a ascensão dum empreendedor voraz Matador terá falcatruas a la Revenge ou concentrar-se-á quase todo o tempo em Mads. A arrumadeira Agnes tem sua história tão detalhada quanto Maude, Hans Cristian ou Mads, até porque ela se torna uma espécie de paralelo deste.
Porque nem só de Nordic Noir vive (viva) a Dinamarca!

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