quarta-feira, 15 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 106

Todo mundo quer ser feliz, a ponto de isso tornar-se obsessão e ostentação nas redes sociais. Mas, como ser feliz? Aliás, é possível sê-lo?
Nosso historiador-cronista pondera a respeito

FELICIDADE PROGRAMADA: dilemas culturais

José Carlos Sebe Bom Meihy
A busca obstinada da felicidade é uma das características mais salientes do mundo moderno. Basta olhar para o lado e ver como muita gente insiste em ostentar alegria, satisfação, tudo como sinônimo de triunfos pessoais. Chega-se, com certo realismo atrevido, a dizer que a ostentação de vitórias e bem estar esbarra na esquizofrenia exibicionista. Não basta ser feliz discretamente, faz-se preciso alaridos como se a felicidade só fosse completa se divulgada, aplaudida e celebrada. Uma rápida corrida pelas redes sociais indica que a busca de realização pessoal e de lugar público explica cultos a beleza, ao corpo perfeito, à eterna juventude, tudo como sinônimo de felicidade explícita. E então vale tudo: aparência, gastos exagerados, festas. Diria que em meio ao culto da satisfação, desenvolvi duas hipóteses explicativas. Uma de efeito histórico, outra cultural.
No primeiro caso, visito as profundezas do passado, e sou levado à organização do pensamento ocidental para ver mais do que a transparência das águas imediatas. E aí deparo com casos estranhos em que a felicidade passou a ser legislada. Muitos estranham o fato dela ser item constante de algumas Constituições Nacionais, algo próximo de um mandamento regulamentado como direito inerente a todo cidadão. Seria como se as pessoas tivessem obrigação legal de serem felizes. Países como os Estados Unidos tratam desta questão de maneira protocolar, como certeza de que a boa relação com a vida decorre em primeiro lugar da condição possibilitada pelo estado/governo que se vê como metáfora do corpo nacional. Nessa situação, a felicidade dos indivíduos equivaleria a saúde coletiva. Ainda que para pessoas despreparadas para leitura desse aspecto isso pareça bizarro, há fundamentos filosóficos evoluídos de princípios aristotélicos, subsídios garantidores da responsabilidade do sistema aberto a possibilitar situações mínimas de conforto social. Fala-se, pois nesse caso, de dois níveis, um legal e de direito, outro de adesão pessoal subjetivo. Os indivíduos, cumpridos o papel do Estado, apenas teriam que ratificar a condição de plenitude. A liberdade pessoal também pode ser garantida, e caso opte-se pela negação, a não ratificação individual abala todo sistema. Talvez aí resida o ponto marcante das diferenças entre esse e outros sistemas.
Em termos jurídicos, o direito anglo-saxão alia, em primeiro lugar, a felicidade às melhores condições de vida material, e então, garante-se a responsabilidade primeira dos governos, e assim restaria aos indivíduos os cuidados com a própria vida como complemento. É como se o Estado financiasse a fortuna moral dos cidadãos, e a eles no máximo, caberia aceitar o penhor estatal. A responsabilidade existencial, das pessoas, se vincularia em continuidade às soluções de cada qual frente ao sistema. A tradição cristã/católica, de modo diverso, permitiu filtrar outra orientação, ligando felicidade à condição de espírito subjetivo, individual, suscetível às variações independentes de responsabilidade estatal. A felicidade no caso da cultura católica, por exemplo, estaria ligada a valores éticos e até seria recomendável a infelicidade, pois a vida terrena equivaleria a um “vale de lágrimas”. Por lógico, adaptações culturais ocorreram e poucos ainda professam a dor como modo de vida ideal. Queremos ser felizes. Queremos, mas como?
Uma segunda situação clama cuidados e se transparece em algumas das marcas mais evidentes da produção cultural da sociedade de massas, a publicação de livros de autoajuda. Basta um giro rápido por qualquer livraria para ver como existem coleções de ensinamentos orientando-nos como agir. O sucesso parece decorrer de lições e ao que indicam tais preceitos, bastaria ler regras e seguir exemplos para se atingir o progresso sempre desejado. A relação de lições de como atingir a felicidade com a determinante mania de perseguir a plenitude tem levado a dilemas fundamentais da existência contemporânea. Juntando os pontos, pergunta-se, afinal, de quem depende nossa felicidade? Deveríamos ser felizes por lei? Poderíamos conseguir a felicidade por meio de lições? Depois de alguma meditação concluo que ser feliz nada mais é do que procurar a felicidade em si, nas profundezas pessoais. Concluo também que isso exige dose de infelicidade e é aí que reside a resistência e então, aceitamos leis ou lições que não levam a nada.        

Nenhum comentário:

Postar um comentário