domingo, 5 de setembro de 2010

ENTREVISTA COM O CINEASTA GUILHERME MOTTA

Findas as gravações do telefilme Andaluz, estrelado pelo albino Flávio André Silva, o diretor Guilherme Motta concedeu entrevista exclusiva ao Blog do Albino Incoerente, onde conta sobre a ideia do roteiro, como foi trabalhar com pessoas albinas e muito mais. Em breve, postarei mais fotos dos bastidores das filmagens; fiquem ligados!


1 - Como surgiu a ideia para escrever o roteiro de Andaluz?
O roteiro de Andaluz nasceu a partir do tema proposto pelo edital da Secretaria de Cultura de São Paulo, A região da Luz. Isto é, o roteiro foi escrito especialmente para tal edital. Para encontrar um caminho inicial fiz pesquisas através de site de busca até encontrar u assunto que me motivasse e pudesse interessar ao público. Me inspirei então em um fato real ocorrido no Mosteiro da Luz que foi pouco divulgado, no entanto ímpar e misterioso, sobre o qual não devo escrever agora para não tirar o suspense do filme. Encontrado esse ponto passei a procurar as personagens. A região da Luz possui vários prédios históricos e vem passando por reurbanização muito forte e por isso fiquei imaginado que tipo de personagem poderia estar presente nas ruas testemunhando esse momento. Cheguei a idéia de um carroceiro catador de sucatas, pois são pessoas facilmente encontradas na região. Mas quais as características dessa personagem que anda de sol a sol? Alguém que enfrentasse dificuldades maiores que o usual no enfrentamento ao sol e a claridade poderia ser uma boa trilha. E se essa personagem pudesse expor vácuos de informações sociais e trouxesse ao debate temas tais quais as diferenças e preconceitos? Assim cheguei a uma personagem albina para o papel do protagonista Andaluz.

2 - Você poderia adiantar um pedacinho da trama para nossos leitores?
Um carroceiro albino, catador de recicláveis, é testemunha de acontecimentos no Mosteiro da Luz, quando uma parede interna do Museu de Arte Sacra (que fica no Mosteiro da Luz) é demolida para uma descoberta surpreendente. Apesar das dificuldades e da falta de credibilidade por ser morador de rua, ele luta para tornar público tal fato, contando com a ajuda do amigo, jornalista e artista plástico Marino (João Signorelli) e de sua namorada veterinária Luana (Luciana Vendramini).

3 - Desde o princípio você cogitou colocar uma personagem com albinismo?
Sim, desde o início o protagonista seria uma personagem albina, contudo confesso que a primeira idéia foi utilizar um ator negro maquiado fazendo esse papel. Minha intenção, que pareceu interessante, naquele momento era deixar muito marcante os temas das diferenças e preconceitos; porém rapidamente mudei de opinião. Foram duas as razões que me fizeram mudar de idéia. Confesso, de novo, que a primeira foi uma questão de viabilidade prática e orçamentária, pois seria bastante demorado, complicado e caro fazer a maquiagem de corpo inteiro de um ator todos os dias durante um mês, podendo ainda ficar nada convincente. Hoje, respondendo a essas perguntas e já muito mais familiarizado com o albinismo, me sinto embaraçado pela minha ignorância num passado bem recente; mas me faz concluir que essa minha primeira idéia foi parte do processo para o entendimento da causa albina e trampolim para entender que muitos, como eu, têm muito pouca informação sobre o assunto. A segunda razão foi decorrente do mergulho dado no tema do albinismo, através de pesquisas e contatos com você, Roberto Bíscaro, que foi muito gentil e esclarecedor, e me levou a resposta óbvia, um albino teria que ser representado por um albino, ora bolas! Legal lembrar também que no decorrer da escrita do roteiro outras duas personagens albinas foram nascendo e abrilhantaram muito mais o filme.

4 - A opção por uma pessoa com albinismo para o papel principal é bastante ousada. Em algum momento houve receio de sua parte, de que não funcionasse? Você já pode revelar, afinal, quem foi o albino escolhido?
Em nenhum momento vi como ousadia colocar um albino como protagonista. A partir do momento que entendi e me envolvi com o “universo albino”, principalmente através do Blog do Albino Incoerente, não houve receio algum, inclusive foi muito mais motivador escrever a trama sabendo que ela poderia atingir pontos de consciência pouco abordados e colaborar para uma sociedade melhor informada. Porém essa decisão me levou a um outro ponto: Quem são e onde estão os atores albinos?

5 - Como foi o processo de escolha do ator para interpretar Andaluz, protagonista do filme?
Como não encontramos atores profissionais albinos decidimos que trabalharíamos com um protagonista não profissional, mas certamente albino. Nesse momento sim houve um pouco de receio, pois tal personagem exigia alguém dedicado e que conseguisse passar através de gestos e expressões mínimas os seus sentimentos. Chegou o dia dos testes e ficamos muito felizes com a qualidade dos candidatos, que além de pessoas preparadas e educadas, mostraram muita determinação em executar o que lhes foi proposto. Todavia, ao final da tarde já tínhamos um escolhido. Sinceramente o eleito não se parecia muito com o protagonista idealizado, mas por outro lado oferecia um potencial jamais imaginado. Seu nome é Flávio André Silva, sensível ator amador com passagem pelo teatro capixaba, com quem tive imenso orgulho de trabalhar. Mas essa informação você já tem... rsrsrs

6 - Andaluz será rodado especificamente para a TV. Há algum plano ou possibilidade de que alcance as telas de cinema?
Andaluz será veiculado em dezembro de 2010 na TV Cultura e TV Brasil, de acordo com informações das emissoras, com duração de 52 minutos. Pensamos em criar também uma versão ampliada para cinema, mas os custos são proibitivos. O certo é que além da televisão Andaluz participará de diversos festivais.

7 - Hoje, fala-se muito em inclusão e você está dando passo importante nesse processo. Desconheço qualquer filme que tenha ator albino interpretando uma personagem albina positiva. Você tinha noção do tamanho de seu passo quando pensou numa personagem central albina ?
Não, não tinha nenhuma noção. Quase todas as informações que agora tenho vieram através de seu Blog, de você e das pessoas albinas com quem tenho tido a oportunidade de conversar. Não conhecia nada a respeito da necessidade de bloqueador solar, da visão deficiente, das gozações pelas quais passam os albinos e muito menos de bruxarias e assassinatos na África. Estou procurando mostrar de alguma maneira dentro do enredo do filme esses conhecimentos, para que mais uma fatia da sociedade possa compreender sem mitificações o que é o albinismo e quais as necessidades peculiares que devem ser supridas para que todos possam ter a vida mais prazerosa e digna. O veto à lei que garantiria distribuição de bloqueador solar a albinos que não tenham condições de comprar o produto é o fim da picada. Será que não é dever do Estado proteger a saúde de seus cidadãos? Contudo, ainda que não fosse por questões tão nobres quanto proteção, saúde ou solidariedade, tenho certeza que economicamente sairia mais barato a distribuição dos bloqueadores do que tratamentos de câncer de pele. Então a única conclusão que posso chegar é que há uma epidemia de visão subnormal na política nacional.

8 - Insisto sempre na necessidade de os albinos se organizerem e contarem suas experiências, enfim se exporem mais. Isso ajudará que as pessoas nos ouçam, nos descubram. O próprio modo como você achou o blog e, através dele, eu e a Andreza Cavalli torna essa ideia ainda mais forte em mim. O que você diria aos albinos que ainda nao tiveram coragem de contar suas histórias, de relatar experiências, enfim, de não assumirem seu albinismo?
É muito clara a importância que o Blog do Albino Incoerente teve na estruturação da história e no aprofundamento do tema. Sua iniciativa de criar e manter o Blog é louvável e fundamental para dar visibilidade ao grupo e assim chamar atenção para às necessidades. Também são valorosos os relatos das experiências dos leitores, pois outras pessoas que possam estar passando por obstáculos semelhantes, se reconhecem nesses textos e assim entendem melhor não serem os únicos com tais dificuldades, ganhando assim força extra para persistir. Te parabenizo pela atitude sempre positiva e agradeço a colaboração com suas idéias e na divulgação do filme.

(Andaluz está entre os primeiros filmes do mundo a apresentar protagonista albino positivo, interpretado por ator albino. Bom saber que Guilherme Motta é coisa do Brasil, né?)

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