segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FRATERNIDADE ARGENTINA



Roberto Rillo Bíscaro

Daniel Burman é um dos mais importantes diretores latino-americanos do momento. Os filmes ds argentino tratam de ações corriqueiras, de gente da classe média às voltas com problemas econômicos e/ou de família. O Abraço Partido, Esperando o Messias, As Leis de Família (a “trilogia do pai”) O Ninho Vazio compartilham da sutileza que pinça dados do cotidiano, ora em tons melancólicos, ora irônicos. É cine falsamente “pequeno”, porque dispensa grandes ações para focar o ser humano.
Em abril, estreou Burman novo: Dos Hermanos (Dois Irmãos), que segue a linha de trabalho anterior. Susana (Graciela Borges) e Marcos (Antonio Gasalla) são irmãos entrados na madureza. Ela é uma agente imobiliária que parece já ter visto dias melhores, mas agora aferra-se a subterfúgios pra tentar manter a aparência de opulência de outrora. Suas roupas extravagantes e de glamour datado contrastam com a necessidade de entrar em festas como penetra, roubar convites do vizinho e champagne numa festa na embaixada brasileira. Retrato duma classe média falida, pós-crise econômica de 2001.
Marcos é o ourives que desistiu de todos os sonhos pra se dedicar à mãe. Linda a cena onde ele lava os cabelos da mãe com xampu. Manso e adorável como um cordeiro, aceita todas as humilhações infringidas pela irmã dominadora e hábil em manipular. Construído no limiar do estereótipo, a personagem chega a irritar pela subserviência e inação.

Quando a mãe falece, Susana vende a casa e exila Marcos numa cidadezinha uruguaia, onde esse começa a fazer teatro (Édipo Rei, sublinhando o tom freudiano da personagem) e, a despeito das tentativas de sabotagem da irmã, descobre novo sentido pra vida. Aprende a andar de moto e inicia amizade (provavelmente, namoro...) com o diretor teatral. É nessa virada da personagem que a construção estereotipada se mostra vantajosa, porque o espectador quase não tem alternativa a não ser se comover com o desabrochar de Marcos. Por se tratar dum filme de Burman, nada disso é feito de modo dramático; ele é o cineasta do cotidiano por excelência e a virada de Marcos é quieta e discreta como a personagem. Enternecedor.
Dos Hermanos apóia-se nas personagens centrais. Graciela Borges e Antonio Gasalla estão ótimos. A primeira com seu jeito entre espalhafatosa, manipuladora e vulnerável e o segundo com suas expressões de desilusão/resignação e o lindo sorriso que se abre de quando em vez.
Baseado no romance Villa Laura, do co-roteirista Sérgio Dubcovsky, Dos Hermanos é daqueles filmes que devem crescer a cada nova assistida, devido às sutilezas dos relacionamentos. Não vejo a hora de ver de novo!

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