quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CONTANDO A VIDA 5

Em meio a tanta propaganda eleitoral diversa e, por vezes, engraçada, perdemos o foco do que interessa de verdade: o respeito á diferença, e, por conseguinte, à democracia. Na crônica de hoje, o professor Sebe nos ajuda a botar ordem na casa.


O CUSTO DA DEMOCRACIA
José Carlos Sebe Bom Meihy

Com certeza, a melhor definição de democracia diz que “é o convívio social, articulado com a diferença”. E como é complicado admitir, aceitar, gerenciar a diferença dos “outros”. Sartre dizia “o inferno são os outros” e a cada momento nos deparamos com desafios que convocam a tolerância. O período eleitoral, em particular o nosso “horário eleitoral”, convida nossa paciência e tolerância a um teste realmente exigente. Vejamos alguns exemplos que colocam em nossas mãos os limites do suportável. Se olharmos sem cuidados cidadão, tudo nos parece próximo das latas de lixo.
Vale começar pelo Tiririca. Com vestes típicas de sua profissão, palhaço, exibe-se com rimas pobres e dizeres do tipo: “pior do que está não fica, vote no Tiririca”. O candidato pelo PDT, a deputado federal, João Dado, ousa dizer que foi aprovado duas vezes pelo programa CQC. Ao lado da mulher Pêra, Cameron Brazil, convoca seus partidários para que “votem com prazer”. Candidato a deputado federal, Aguinaldo Timóteo, levanta a bandeira da “continuidade aos projetos do Clodovil”. Na mesma linha, Ronaldo Esper demonstra que “vaso ruim quebra” e, enigmaticamente, ofende o falecido concorrente, também modista, sugerindo sua eternidade. Não faltam rimas para exaltar causas, mas, na linha político-partidária não resta dúvida de que o PSTU é imbatível. Que tal: “contra burguês, vote 16” ou “quem joga bomba em professor, não merece ser governador”? Na seara, não faltam bispos, pastores, padres, mas, imbatível mesmo é Mara Maravilha, que, despudoradamente apresenta seu marido como candidato. Que dizer do Kiko, componente mais velho do trio vocal KLB, que pelo DEM, disputa uma vaga como deputado federal? Neste caso, sinceramente, pelo menos teríamos uma vantagem: o conjunto poderia se calar. Há um candidato de nome Peroba, que figura na tela como um óleo contra cupim. Não faltam também: Messias, o “garoto bombom”, Pedro da Geladeira, André da Farmácia, o Jarbas da Reciclagem, o Nei “Bombeiro amigo do povo”, o Claudio Henrique Barak Obama, estes do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Sei que esse desfile de nomes evoca delírios. É lógico que, para estrangeiros, essa relação pode parecer um time de loucos dignos de requintados hospício. É preciso dizer, no entanto, que é exatamente na consagração do direito à diferença que reina a democracia. Tomara que cada um saiba respeitar os candidatos, entendendo suas plataformas. Sim, temos que garantir o direito de todos e lutar pela livre expressão. E vale repetir que cada povo tem o governo que merece. Vamos criticar, sim. Vamos também manter a dignidade de ouvir.
Duas coisas não podem acontecer: cercear o direito de cada qual se apresentar com as características que lhe convém e, ao mesmo tempo, temos que ter claro que nem todos são iguais. Em meio a tanto nome sem sentido político, há gente boa, honesta, capaz de merecer o seu e o meu voto. Tomara que o exercício da democracia valorize nossas escolhas em favor de um mundo melhor. E nada de desânimo ou desatino. Lutamos tanto para o direito de votar que seria injusto com a História jogarmos fora o que melhor conquistamos: o direito de escolher nossos representantes. A pior coisa que pode acontecer é votar nulo ou branco. A melhor, com segurança, será o aprendizado solidário do aperfeiçoamento democrático. Que vençam o melhores.

(Em 1985, houve um dia de eleição que atingiu o topo das paradas.)

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