quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CONTANDO A VIDA 3

Na crônica de toda quarta, o professor Sebe divaga a respeito de questão fundamental entre autores do Modernismo: a passagem do tempo. Que o digam Marcel Proust e Virginia Woolf...

“DESAPRENDER” A VIDA...
José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre me vem à cabeça a observação da poetisa norte-americana Elizabeth Bishop, que estranhava no Brasil a persistência da expressão “desmarcar compromisso”. Como “desmarcar”?, perguntava sempre perplexa. Lembrei-me dessa passagem ao considerar que na medida em que a vida avança, em vez de aprender, tenho “desaprendido” algumas práticas. Isso guarda algo de irônico, pois na cultura comum sempre achamos que o resultado de toda e qualquer experiência nos é positivo e que estamos eternamente “crescendo” e assim vigoramos o suposto de que “é errando que se aprende”.
Na Índia, ouvi uma reflexão que calou fundo. Alguém explicava que sim, que sempre crescemos, mas em dois tempos: para cima primeiro, para baixo depois. A alusão remetia ao fato de na florescência da idade biológica ganharmos altura até que, na maturidade física, começamos a encolher, diminuir, crescer para baixo, ao ponto de sermos enterrados depois de mortos. Profunda meditação essa, mas resolvi transpô-la para a aquisição de conhecimentos. Não resta dúvida que o dito popular “vivendo e aprendendo”, independentemente do gerundismo exposto duplamente, funciona como desculpa para surpresas que, talvez, não devessem mais ter lugar. Detenho-me nessa máxima e junto argumentos para duvidar de seu teor assertivo.
É justamente a fatalidade do calendário vivencial que me convida a titubear da indicação que nos reduz a eternos aprendizes. Mais jovem, tinha prazer em “conversas jogadas fora”, passeio sem destino ou hora marcada para acabar, apreciava festinhas de convívio tolo, enfim, gostava de me sentir “livre, leve e solto”, fazer tudo sem pressa e validando o que os italianos chamam de “dolce far niente”. Mudei. Talvez por ter acertado o relógio com o tempo moderno, perdi certas ledices em favor de calendário sempre medido, com objetivos urgentes, como se viver tivesse alguma demanda utilitária. De certa forma, não seria errado dizer que “suprimi o ócio”. Pode parecer que não, mas “matar tempo” virou, para mim, coisa ruim. Sei que há nisso algo de perturbador, mas me é ontológico. Quebro, contudo, a noção do pragmatismo absoluto afirmando que, de maneira sutil e definitiva, no meu fazer foi se instalando (outra vez o gerúndio) o sentido da alegria dos solitários convictos. Solitude e alegria passaram a se abraçar amorosamente em mim ancorando meu estilo de vida. Fazer tudo com alegria, esta é a regra única de meu viver. E juro que gosto de ficar só em meu recôndito, perdido entre livros, ouvindo música, nutrir as delícias de cozinhar de madrugada e poder dar espaço à imaginação para escrever.
Não há como impedir a montagem do teorema existencial: ao conseguir o direito de fazer o que me alegra, tenho que excluir alguns convívios que sim, geram também contentamento. É verdade, mas o dever de escolhas se impõe. Pode parecer até melancólico, mas apenas gosto de estar em multidão em situações superlativas: jogos de futebol, escola de samba, comícios políticos ou manifestações públicas. Lembro-me de que a mais atraente palavra que aprendi entre os índios kaiowá foi “xepó” que equivale ao número cinco. Socialmente, mais do que cinco pessoas reunidas me faz dimensionar pânico. Não que seja um misantropo. Não. Sei me controlar e até disfarço bem. Ninguém nota, mas gosto mesmo é da intimidade de conversa com poucos, verticalizar papos e extrair de particulares a melhor seiva e se isso for com vinho tinto, mais ainda.
Fujo, propositalmente, da discussão sobre a felicidade humana. Juntando os pontos, garanto que desaprendi sim algumas práticas, mas coleciono antologia de sonhos futuros que dependem de minha realização. Desaprendi “vagar por aí”, mas, em troca, meço meus sonhos em léguas e isso só se aprende respeitando a vocação minimalista do direito de mudar. É bíblico afirmar que “há um tempo para tudo”, o meu agora é fertilizar o jardim que guardará minha memória.

(... tempo rei, transformai as velhas formas do viver...)

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