sexta-feira, 20 de agosto de 2010

PAPIRO VIRTUAL

Dentro da nova orientação multi-temática do blog, sexta-feira será o dia dedicado à postagens sobre o mundo das letras, sejam elas literárias ou não. Lançamentos, resenhas, informações sobre autores e eventuais poemas ou contos. Com o intuito de proporcionar um novo canal de divulgação a escritores novos, o Albino Incoerente abre espaço para o envio de textos para publicação. Crônicas, contos, poemas, resenhas... Os textos podem ser enviados ao email albinoincoerente@gmail.com

O primeiro papiro virtual é um conto de Valdair Grotto. Ganhador do Mapa Cultural Paulista na categoria conto, escreve-os esporadicamente, por hobby. Professor do curso de Comunicação Social da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso), mestrando em Ciências Sociais pela Unesp, adora quadrinhos, animação, cinema, literatura e música, não necessariamente nessa ordem.


Às estrelas, do meio fio
Valdair Grotto

Um pequeno e delicado feixe de luz atravessava lentamente a escuridão a sua frente até atingir seu olho esquerdo, dilatando sua pupila. A claridade iluminava profundamente o azul aquático de seu olhar. O pequeno facho de luz condensou-se preguiçosamente em uma espécie de globo que propagava um halo de tom alaranjado. O globo flutuava percorrendo um trajeto contínuo como se seu destino fosse o garoto que o vislumbrava maravilhado. A velocidade do objeto luminescente reduzia à medida que se aproximava do pequeno ser humano que o acompanhava com o olhar atento. O objeto estancou seu vôo diante da fronte do garoto, banhando o azul de seus olhos com a coloração laranja pulsante que resplandecia por todo o seu redor. As mãos acanhadas que até então conformavam-se em permanecer junto ao seu colo, num movimento atrevido, adiantavam-se até o globo luminoso, sentindo como se sua cor pudesse ser tocada e sentida com os dedos; mas, ao invés disso, ao primeiro toque, o objeto desfez-se em dezenas, centenas de pequenos outros pontos luminosos que já não permaneciam parados no mesmo lugar. Eles flutuavam desordenadamente em todas as direções possíveis, cada qual exalando sua própria luz, sua própria cor, numa fanfarra luminosa e colorida. O garoto tentava olhar o maior número possível das pequenas estrelas que brincavam de ciranda ao seu redor, mas seu pescoço não conseguia acompanhar o carrossel vibrante que o rodeava. Estendeu novamente suas mãos e se deliciou com a sensação de novas e pequeninas estrelas se formarem da explosão silenciosa das estrelas que tocava, transbordando sobre si um arco-íris de luzes delicadamente coloridas, mutantes e brincalhonas, que não paravam de circundá-lo. Levantou e adentrou ainda mais na densa nuvem de agora minúsculas estrelas com seus braços estendidos e suas mãos espalmadas tentando enchê-las com as estrelas. Queria mais, queria que elas se multiplicassem ainda mais, queria tocá-las e tê-las entre seus dedos, queria engoli-las... Que gosto teriam? Não conseguiu segurar a gargalhada que a dança brilhante de suas estrelas particulares lhe provocavam, e ria deliciosamente enquanto o turbilhão de pontículos luminosos e coloridos penetravam por sua roupas, atravessava seus cabelos, escorria por seus dedos, enquanto ele rodopiava no interior do vórtice policromático do qual fazia parte. De repente, uma força brusca arranca-o de dentro de sua pequena constelação, tirando-o dali. Ele vê suas estrelas se afastando rapidamente e se diluindo numa escuridão que as engolia rapidamente.

- Achei o danadinho. -, disse a mulher que trazia o menino quase arrastado por um braço. - Já estava atravessando o gramado do jardim. Se não chego à tempo, só Deus sabe onde iria parar.

- Pobrezinho -, disse a outra enfermeira. - Deve ser muito triste ser uma criança autista como ele.

Um novo pequeno e delicado feixe de luz atravessava lentamente a escuridão a sua frente ...


(Outro que escreveu sobre estrelas foi Gilberto Gil...)

2 comentários:

  1. Você caprichou na música. Cantava pra minha filha quando ainda estava na barriga. A-DO-REI!!!

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  2. Belísssimo conto!!!
    Descritiva e narrativamente muito envolvente, com o bônus do final a surpreender!
    Parabéns ao contista!

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