quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A (DES)SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA

Roberto Rillo Bíscaro

Edith Wharton é conhecida especialmente por suas descrições dos costumes e repressões da alta sociedade nova-iorquina de fins do século XIX/início do XX.

Ethan Frome (1911), noveleta ambientada na rural Nova Inglaterra, a princípio parece uma mudança radical da escritora. As finas e reprimidas madames e educados e recalcados cavalheiros da então provinciana Nova York (a julgar pela irônica pena de Wharton, ela mesma nascida na fina flor da elite da cidade) dão lugar a fazendeiros puritanos, com seus desvios linguísticos da norma culta e vida dura, encravada na aldeia, longe de qualquer contato com as últimas modas dos salões parisienses.

Se a ambientação é distinta dos demais romances e contos da escritora, o tema da repressão sexual e dos prejuízos causados ao indivíduo que se deixa subjugar pelas convenções sociais irmanam essas personagens economicamente pobres àquelas socialmente elevadas, de The Age of Innocence (1920), talvez a obra mais conhecida da escritora norte-americana.

Ethan Frome era um jovem interessado em ciência, que é obrigado a abandonar a universidade pra voltar á estéril e remota fazenda do pai, que falecera. Pouco depois, a mãe da personagem-título surta e passa a viver em silêncio quase contínuo, pra poder escutar as vozes que a perturbam. Inapto e sem tempo pra cuidar da doente, Frome chama a prima Zeena para ajudá-lo. Aterrado pela perspectiva de solidão, Frome se casa com a prima assim que a mãe morre. Pouco menos de um ano após as bodas, a esposa, entediada com a vida isolada na fazenda gelada, começa a mostrar sua faceta hipocondríaca. A chegada duma prima de Zeena, Mattie Silver, jovem efusiva e bonita, desperta novamente a vontade de viver em Ethan, mas a pobreza, aliada ao rígido sentido moral puritano, conduzem a história a um final trágico.

O destino inexorável das personagens remete à tragédia grega, onde os deuses determinam a queda dos protagonistas, sempre pertencentes às mais elevadas esferas sociais. Escrito nos EUA cristãos e monetaristas, Ethan Frome, a novela, não pôde escapar do pathos de seu tempo. A nobreza ática dá lugar à pobreza estóica e à limitação provocada pela falta de recursos em um mundo governado pelo dinheiro. A sina das personagens, que pagam pelos seus pecados – na tragédia grega não existe o conceito de pecado, mas sim o de falha trágica – revela o trágico sendo filtrado pelo dogma cristão.

A tragédia de Ethan Frome é narrada por um engenheiro, que, antes do primeiro capítulo, nos relata como soube dos detalhes da história, um pouco à moda de alguns trabalhos acadêmicos, que prestam conta ao leitor de seu percurso de pesquisa. Ao final, uma testemunha da história se sente aliviada por ter se livrado do segredo que carregara por tantos anos. Nas últimas 2 páginas da novela, epígrafes ou citações que cairiam como luva na enxurrada contemporânea de textos sobre memória e relatos de eventos traumáticos.

O inverno e a morte permeiam a narrativa de Wharton. Os fatos cruciais tem lugar no gelado inverno puritano da Nova Inglaterra. Abundam termos referentes à frialdade, tornando a estação morta, personagem central do livro. O próprio Ethan, cujo sonho de se tornar engenheiro perecera, administra uma decrépita serraria, ou seja, seus parcos recursos provêm de cadáveres de árvores.

No mundo trágico de Ethan Frome, o retorno anual de Perséfone à superfície perdeu qualquer poder de trazer de volta a vida da primavera, e, consequentemente, da vida. A esterilidade do inverno gelado e da falta de dinheiro conquistaram o mundo ficcional de Edith Wharton.

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