sábado, 21 de agosto de 2010

ENTREVISTA COM MANOEL GASPAR

Conforme prometido, eis a entrevista com o candidato albino a deputado federal pelo estado de São Paulo, Manoel Gaspar, número 2088.

Concentrei-me na questão do albinismo, de sua superação e táticas de sobrevivência albina. Visto o candidato já haver se comprometido a lutar pelos albinos e outros grupos, caso eleito, optei por uma conversa mais pessoal, a fim de conhecermos outra história de albino que deu certo. Não faltarão oportunidades para conversas que convirjam para aspectos mais políticos.

Albino Incoerente: O Sr. poderia contar a nossos leitores um pouco sobre sua origem, infância, enfim, fazer uma mini-trajetória de vida para que lhe conheçamos melhor?
Manoel Gaspar: Meus pais são portugueses e vieram para o Brasil em 1953, onde nasci, em 1955. Fiz o primeiro ano numa escola púbica e depois fui para um colégio de padres. Nunca repeti um ano! Evidentemente, tive muitas dificuldades para estudar por não conseguir enxergar a lousa. Mas, fui em frente e me formei em técnico em contabilidade e depois cursei faculdade de administração e ciências contábeis. Na faculdade, tive dificuldades também, mas peguei exames apenas nos dois primeiros anos. Nos últimos 2 anos, passei em todas as disciplinas direto. Foi muito difícil, muito duro... Mas, contei com vários amigos que copiavam as coisas da lousa para mim. Eu também xerocava os cadernos dos colegas. Em toda essa história existem coisas muito importantes: esforço, dedicação, superação e querer vencer. Quem não quiser vencer, não chega a lugar nenhum. Eu sempre quis vencer, sempre fiz planos para chegar mais longe na minha vida. E consegui chegar, graças a Deus.

Albino Incoerente: O Sr. passou por muito preconceito por ser albino?
Manoel Gaspar: Quando criança, é evidente que as outras crianças, especialmente as da escola, mexiam comigo. Mas, como estudei em colégio de padre, não passei muito por isso, porque era mais rígido. Na verdade, as pessoas tentavam me ajudar no que eu necessitava. Sempre tive bons amigos, em cujas casas ia estudar. Tive problemas, mas não posso dizer que tenha sido em exagero, até porque nunca gostei de me sentir como um excluído. Sempre me integrei: jogava futebol... As pessoas sabiam que eu não tinha condições de ser um grande atleta, mas eu participava de tudo que podia. No pingue pongue, por exemplo, não dava para ser o melhor, mas me esforçava. Não admitia ficar de fora. Também na questão de relacionamentos, aconteceu de uma menina ou outra achar que eu não era tão bonito, mas procurei nunca me deixar abater. Tinha planos muito bem traçados para a minha vida: me formar, casar, ter filhos, empresas... Lutei sempre por esses objetivos e consegui tudo o que quis. Para você ter uma idéia, comecei a trabalhar aos 12 anos de idade na empresa de meu pai. Ele não queria que eu trabalhasse porque tinha medo de eu atravessar a rua sozinho, essas coisas. Mas, nunca quis ser tratado como coitadinho.

Albino Incoerente: Nessa época de campanha, o senhor deve se expor muito ao sol, devido a caminhadas, visitas ao comércio de diversas cidades. Por outro lado, noto que sua pele é muito boa. Fale-nos um pouco a respeito de como o senhor se cuida.
Manoel Gaspar: Quando me lembro, eu cuido! Tem hora que quando me lembro já passou meio dia. Às vezes, tenho que sair às pressas, correndo, e esqueço de trazer o protetor. Nessas ocasiões, fico bravo comigo mesmo. Hoje, por exemplo, eu passei. Acordei cedo e passei o protetor. Tenho no carro uma bolsa com óculos, protetor solar. Aliás, tenho protetor em casa, no carro, na empresa.
Minha pele é boa porque coloquei na cabeça, desde cedo, que sou uma pessoa com certos limites. Então, jamais vou à praia depois das 9 da manhã, por exemplo. Quando vamos à praia, fico nela até às 9, compro um ou 2 jornais, volto para casa, tomo café da manhã e passo o dia ouvindo rádio, vendo televisão, lendo. Leio até os anúncios funerários! Você tem que se conformar com a sua limitação, caso contrário, você viverá raivoso contra o mundo e isso de nada adianta. Não se pode lutar contra a natureza, não adianta eu querer ser o que não posso. Quando me convidam para tomar uma caipirinha na praia, depois das 9 ou antes das 5, recuso. Não posso, pronto, fim!
Toda vez que vou à dermatologista, ela me elogia. Mas, eu faço minha parte: sempre uso camisa de manga comprida, enfim, toda recomendação que me passam, procuro seguir da melhor forma possível.

Albino Incoerente: Você poderia deixar alguma mensagem para os albinos?
Manoel Gaspar: Quero contar uma história que pode até parecer engraçada, mas que significa muito para mim. Meu pai era dono de uma agência de automóveis em Tupã (SP) e eu trabalhava lá. Claro que pela questão da baixa visão, não posso dirigir. Mesmo assim, vendi muito carro sem nunca ter aprendido a guiar! Às vezes, conto isso e as pessoas ficam surpresas e perguntam como eu conseguia convencer alguém a comprar um automóvel ou explicar sobre o veículo sem saber dirigir. Respondo que é tudo uma questão de esforço. Sempre tive religião, porque acho ma coisa muito importante. Sou católico, mas independente da religião, acredito que ela te dê uma força muito grande. Sempre procurei desenvolver meu intelecto e ser uma pessoa atualizada. Já que não consigo ler muito, dou prioridade para programas de TV e rádio que sejam mais culturais, mais informativos. Não critico quem fique atrás de outros tipos de programas, mas sempre procurei compensar algumas fraquezas que tenho, com pontos fortes, entende?
A pessoa tem que se adaptar, não tem essa de ser fácil ou difícil. Por exemplo, vou a São Paulo quase toda semana e tenho que atravessar ruas. Como fazer? Tem que fazer! Tenho que atravessar mesmo sem saber se o sinaleiro está vermelho ou verde. Estou lá na esquina; na hora em que todo mundo atravessa, vou atrás. Quando as pessoas param, eu paro. Isso a gente vai desenvolvendo, vai se adaptando, por isso sempre procurei ter um bom intelecto.
Outra coisa importante: nunca fiz dessa deficiência minha uma questão de coitadinho. Realmente, não gosto quando me tratam como inferior! Não gosto de ter privilégios também. Esse negócio de fila especial... Nada disso. A não ser que seja um local com sol! Daí, peço licença e espero na sombra. Minha esposa diz que quem não me conhece, não nota que tenho deficiência porque ajo como uma pessoa absolutamente normal. Participo de eventos, de empresas, fui prefeito de Tupã por 8 anos. Agora sou candidato a deputado federal... É tudo uma questão de opção: ou a gente vai à luta ou espera que tenham dó de nós.

(Na década de 70, o mineiro Toninho Horta compôs uma canção em homenagem ao jipe no qual viajava, cujo nome era Manuel. O resultado é esta maravilha!)

Um comentário:

  1. legal a entrevista!
    me identifico em diversos pontos!!
    acho que é esse o caminho, não somos coitados e temos que lidar com o albinismo com sabedoria e nunca desistir de nossos ideais.
    abraços!

    ResponderExcluir