quarta-feira, 6 de outubro de 2010

CONTANDO A VIDA 8

Na crônica de hoje, o professor Sebe reuniu uma série de observações a respeito do Brasil, feitas pela importante poeta norte-americana, Elizabeth Bishop.

O BRASIL SEGUNDO ELIZABETH BISHOP
José Carlos Sebe Bom Meihy

Entre 1951 e 1974, a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop viveu no Rio de Janeiro. Encantada pela cidade e surpresa com o país, ela escreveu aqui boa parte de seus poemas. O cenário de sua vida carioca não poderia ser mais inspirador, pois, morando no Largo do Boticário, na quietude de um recanto intimista, com riozinho correndo entre árvores frondosas e palmeiras variadas, inscrevia-se no que dizia ser “o melhor paraíso tropical”. A casa – que existe até hoje – situa-se na entrada de um quinhão exuberante da mesma mata que guarnece nosso Jardim Botânico e assim, a grande dama da poesia estadunidense se rendeu ao fascínio do “inacreditável país de gente interessante”.
Enquanto Leta, sua companheira amorosa, trabalhava com paisagismo, em particular depois dos anos de 1965, quando o então governador Carlos Lacerda aterrou a vasta orla carioca, de Copacabana até o aeroporto Santos Dumont, Bishop se viu deslumbrada com a variação do verde. Leta acreditava que a beleza das folhas, em qualquer tonalidade, dispensava flores, frutas e qualquer combinação de cor outra que não o verde. É assim, aliás, que se explica porque ao longo de quilômetros na orla carioca, não temos plantas floridas, canteiros com espécime da flora. É tudo muito verde.
Distante de amigos, longe de parentes, mesmo vivendo um grande amor, a poetisa não se confundiu com o Brasil. Não se duvida de maneira alguma da afeição pelo país, mas seus estranhamentos eram expressos em cartas, mensagens, anotações múltiplas. Com cuidado, o pesquisador Humberto Werneck anotou algumas dessas passagens que são deveras instigantes. Selecionei algumas e tentei dar forma ao olhar gracioso da visitante estrangeira. Confesso que algumas observações convocam meditações, como esta: “aqui as pessoas amam as crianças mais do que em qualquer outro lugar – com possível exceção da Índia. Nenhum sacrifício é grande demais quando é feito em nome dos filhos”. Sobre o comportamento descompromissado nosso afirmava que: “é gostoso e relaxante estar num país onde ninguém sabe direito em que estação do ano estamos, em que dia estamos, que hora são”. Não sem propósito, como mulher moderna e estadunidense, tinha autoridade para falar que o nosso: “é um país onde a gente se sente de algum modo mais perto da verdadeira vida, a de antigamente.” Ao falar de nossa língua garantia que: “gosto muito do idioma – cheio de diminutivos, aumentativos, formas carinhosas”. Em outra passagem, apontava uma obsessão nossa, a mania de beleza: “todo mundo vive descrevendo os olhinhos e narizinhos e queixinhos”. Ainda sobre palavras, reconhecia que: “outro verbo muito bom e humano que faz falta no inglês – quando você quer pular fora de um compromisso ou desconvidar-se: ‘desmarcar’”.
Muito impressionada com o jeito brasileiro de perceber as doenças, Bishop produziu algumas das tiradas mais pertinentes registradas por estrangeiros. Sobre hipocondria pontificou que “os brasileiros parecem adorar doenças”. Mais adiante, insistiu no tema: “É muito interessante adoecer e tomar remédio em português, e os brasileiros ficam na maior animação quando tem alguém doente”. Em outra passagem, exclamava “O único órgão que a maioria dos brasileiros reconhece é o fígado; a gente chega a ficar enjoada de ouvir conversas infindáveis sobre o estado do ‘fígado’ de cada um.”
Mas, amorosa, via-se perplexa frente a nossa cultura. Sobre carnaval dizia “é uma grande confusão, porém organizada e artística”. Com argúcia de conhecedora de tantos quadrantes da Terra, completava dizendo “acho que o samba é a última poesia popular que ainda se faz no mundo”. Sobre todas as afirmações, a mais importante, sem dúvida alguma é exclamação “ah, que país inacreditável”!

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