quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

CONTANDO A VIDA 17

Na última crônica do ano, o Professor Sebe invoca pagãos e cristãos pra discutir o tratamento dos animais. Nem mimo desmedido, nem crueldade. O recomendado é a pon/moderação.


O BICHO HOMEM E OS ANIMAIS...
José Carlos Sebe Bom Meihy

Dia desses veio à mente a famosa frase de Aristóteles “o homem é o único animal que ri”. Fico pensando no significado dessas palavras frente ao acalorado debate sobre o tratamento dos animais na atualidade. Devo dizer que este tema sempre me perturbou, pois nunca aceitei direito o tratamento exagerado que certos bichos recebem em contraste com parte considerável da condição humana. Salão de beleza, festas de aniversário, butique de roupas, hotéis e até taxidog (táxis especiais que transportam passageiros com cães, ou apenas os bichos), coisas tais, me assustam e fazem duvidar do teor humano das pessoas.

Por favor, não pensem que sou contra animais. Não. Até gosto muito, mas com tratamento parcimonioso, justo, na medida. De toda forma, ao saber que os pet shops se situam entre os cinco negócios que mais crescem no Brasil, dei vazão a uma curiosidade e detive-me na busca de raízes explicativas. Lembrei-me logo dos dizeres de São Tomás, atento a provar nossos compromissos com Deus. Na “Suma Teológica”, a indicação da hierarquia dos seres vivos aflora dizendo que “os animais conhecem a coisa que é fim... mas não conhecem as razões do fim”. Nesse sentido, no ensinamento do sábio da Igreja, estava consubstanciada uma pressuposição derivada do Gênesis: “então Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra. E Deus criou o homem à sua imagem. E Deus os abençoou e lhes disse: sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a Terra” (Gênesis 1: 26-28 ). Pois bem, esses pressupostos tiveram tantas conseqüências que hoje vivemos o primado da ilógica no tratamento dos “seres vivos não humanos”.

Basicamente, temos três cenários explicativos sobre o que acontece na relação de humanos X animais. Um é a domesticação, que leva à guarda zelosa e ao uso como proteção; outro é a industrialização desmedida válida para fim alimentar e também a aplicação para pesquisas científicas, feita em laboratórios. No geral, preferimos não tocar no assunto e achar engraçadinhos ou extravagantes os cuidados extremos; valorizar os churrascos sem levar em conta o peso da pecuária na natureza ou ligar para o que padecem os bichinhos nos experimentos científicos. Todas as alternativas esbarram em questões éticas, sérias e conseqüentes. Dessas formas de tratamento, uma me chama mais a atenção, a última.
Em 2006, vi um documentário sensacional produzido pelo “Instituto Nina Rosa”, num projeto chamado “Por amor a vida”. O filme intitulado “Não matarás” tinha uma mensagem de apelo irrecusável: o amplo desconhecimento do que se passa nos laboratórios onde, apenas na Europa, a cada três segundos morre um animal vítima desses testes. A conseqüência imediata desta conclusão levou a Comunidade Européia a decretar que a partir de 2009, não mais serão aceitos para venda os produtos testados em animais. Muitos acham que é preciso superar o argumento de que isso se dá por sentimentalismo barato. Outros, além de mostrar que há alternativas, apontam para um comércio novo, dotado inclusive de mecanismos de espionagem e trafego internacional.

Há bons textos discutindo o assunto em maior profundidade, mas de muitos destaco a passagem genial de João Paulo II, em 1988, na “Solicitude Social da Igreja”, onde diz textualmente “o domínio conferido ao homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de uma liberdade de ‘usar e abusar’, ou de dispor das coisas como melhor agrade” e conclui “nas relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não só biológicas, mas também morais, que não podem ser impunemente transgredidas”. Fecho esta reflexão voltando a Aristóteles e me perguntando, se o homem é o único animal que ri, no caso do tratamento dos animais, rimos de quê?

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