quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

CONTANDO A VIDA 15

Na crônica de hoje, o professor Sebe se põe a imaginar as delícias e os inconvenientes que viveria, se fosse mulher.

E SE VOCÊ FOSSE MULHER?
José Carlos Sebe Bom Meihy

Fui com uma amiga ver o filme “Se eu fosse você 2”, dirigido por Daniel Filho. Não havia assistido ao primeiro filme, mas mesmo assim gostei bastante e nem senti necessidade de supor o episódio anterior. Dei boas gargalhadas. À saída, minha companheira lançou um olhar contundente e depois do meu comentário prá lá de convencional – do tipo “gostei muito” – ela saiu com essa: “e se você fosse mulher?” Dito assim, diretamente, a questão me soou como uma sentença abusada. Confuso, na hora não respondi direito, me esquivei, mas, como sempre, trouxe o “problema” para pensar em casa. Devo dizer que a pergunta germinou em minha cabeça e foi lenta a gestação das respostas (“gestação”? Pronto, já estou respondendo como mulher, falando de gravidez... de idéias).
Confesso que reagi de maneira diversa da que supunha. Felizmente, não sou do tipo que se ofende com desafios à própria masculinidade e deixei os argumentos fluindo. Organizei algumas linhas de raciocínio e, para abrandar eventual choque, comecei por admitir alguns entraves das delícias de ser quem sou. Fazer a barba todos os dias, por exemplo, foi um dos atos de negação. Outro, o uso de gravatas como protocolo de classe social e obrigações profissionais. A não renúncia do comando me soou como tentação, pois detesto ter que decidir tudo, impor direções, apontar saídas e, sobretudo, ser aguardado como portador da última palavra ou do veredito sensato. Sei que muitos homens estão longe dessas prerrogativas decisórias, mas a pergunta tinha sido feita para mim e a resposta deveria ser segundo minha imagem e semelhança.
Antes de admitir qualquer das delícias de ser mulher, pensei nos inconvenientes: seria dispensável falar de TPMs ou menstruação, bem como menopausa, medo de envelhecer ou submissão salarial ou até passividade de assédio sexual. Lembrei-me de algo que me atormentaria nessa suposta troca de papeis: as filas dos banheiros. Andar de saltos altos seria impossível para mim, bem como usar maquiagem ou ter que viver arrumando o cabelo. Usar jóia me é impensável, pois não suporto apetrechos dependurados em qualquer parte de meu corpo. Mesmo óculos, que me é necessidade, procuro evitar. E nem andar na moda. Não suportaria andar na moda, pois gosto de roupas velhas.
Também acho que me sentiria chateado se alguém abrisse a porta do carro ou puxasse a cadeira para me sentar... Sabe, ao enunciar esses preceitos, bateu um sentimento horrível em mim, pois faço tudo isso e preservo o preceito do “ladies first”. Secretamente, revelo que me sinto constrangido quando não me é conveniente pagar contas. Sei lá por que cargas d’água, gosto desse gesto de poder: abrir a carteira e assumir a responsabilidade das despesas. Sei que é bobagem, mas... Aliás, outro dia ouvi uma colega dizer que “homem que paga ou é bobo ou tem problemas de afirmação” (ainda prefiro pensar que sou bobo).
Uma coisa que me alegrou muito foi admitir com naturalidade que não mais ficaria chateado se alguém do “sexo oposto” – meu Deus, quem inventou essa expressão? – pegasse a direção do carro e incorporasse as responsabilidades de: dirigir, estacionar, escolher itinerários. Sei que muitos homens largaram mão desse “poder”, mas ainda me sinto esquisito, mesmo não dirigindo há anos. Outra característica que me agradaria muito seria a liberdade de dizer que gosto de cozinhar e de ir ao mercado ou feira e colecionar receitas. Ah! Isso faria minhas delícias, sem dúvidas. É claro que cozinho e até ostento isso, mas sei que não é “normal”.
Por evidente, restam as questões essenciais: a paternidade trocada pela maternidade. Sempre ouvi dizer que ser mãe é sublime ainda que padecendo no paraíso. Bem, acho que aí Deus foi mesmo perfeito, pois sou covarde e não consigo resistir muito às dores. Admito que seja maravilhoso dar a luz, mas prefiro a tensão do pai, que espera na sala de fora. Talvez aqui cheguemos ao ponto crucial: sou homem, imagino a delícias de ser mulher, mas renuncio a todas elas e vislumbro no prazer de ser quem sou que a melhor coisa da vida é poder contar com mulheres como parceiras. E pergunto às minhas leitoras: e se você fosse homem?

(30 anos sem John Lennon. Como o tema da crônica se encaixa e desconfio que o professor goste dele, vai a homenagem do Albino Incoerente ao beatle tão estupidamente subtraído de nós.)

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