sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ATENDIMENTO PREFERENCIAL

Minha última viagem à Sampa foi pra renovar meu visto de turista nos Estados Unidos, expirado em 2008. Planejara passar Natal e Ano Novo em New Haven, pra curtir o inverno e amigos, mas, devido a problemas na agenda do anfitrião, alterei os planos. Mesmo assim, não quis perder a data da entrevista no consulado. A gente nunca sabe o que pode acontecer, por isso é bom estar preparado. A vida é repleta de surpresas, às vezes desperdiçadas por não estarmos equipados para desfrutá-las. Com o visto em dia, economiza-se uma correria no caso de outra oportunidade pipocar. Se surgiu uma, por que não podem aparecer outras?
Gastei bastante tempo organizando a documentação exigida. A maior preocupação das autoridades norte-americanas é que o turista comprove sua intenção de voltar ao país de origem e não fique lá como ilegal. Exige-se o maior número possível de comprovantes de renda e de que o requerente possui laços fortes de ligação com seu país, que exijam seu retorno. Extratos bancários, comprovante de emprego, tudo que mostre que a pessoa pode custear sua estadia e que tenha bons motivos pra voltar pra casa. Providenciei todo o recomendado, e mais. Só faltou levar foto e carteirinha do veterinário dos meus 3 gatos, pra mostrar que tenho responsabilidade sobre boquinhas ávidas por ração!
A entrevista estava marcada pras 10 da manhã, mas recomenda-se que se chegue mais cedo. Foi o que fiz. Meu amigo Jayme me levou até o consulado, situado numa região longe de qualquer estação de metrô. Teria que voltar sozinho, mas esse tipo de coisa não me mete mais medo. Vi um ponto de táxi em frente ao prédio; bastava pegar um até a estação mais próxima, se fosse o caso.
No site, recomendam que o entrevistado leve algo pra ler porque o processo pode demorar mais do que o previsto, devido ao enorme número de postulantes. Quando vi a fila em frente ao edifício, a recomendação me pareceu mais do que apropriada, além de gentil. Entre a porta de entrada e o último lugar onde me coloquei, havia umas 100 pessoas. Fazia uma manhã nublada, então não me preocupei. Caso fizesse sol, não teria dúvida: falaria com um dos guardas pra me deixar entrar primeiro ou ficar na sombra. Não se deve ter vergonha de assumir as limitações; quem sai perdendo é a gente mesmo, ninguém mais!
Fiquei nela pouco tempo, porém. Nem 5 minutos. Um guarda passou avisando que quem tivesse entrevista agendada pra antes das 10:30 passaria na frente. Oba!
Como não enxergo bem, sempre fico com as orelhas em pé pra seguir quaisquer instruções que possam ser dadas. Uma funcionária dizia quais documentos deveríamos ter em mãos quando passássemos pela entrada. Separei tudo, na ordem pedida. Quando passei por ela, estava tudo dentro dos conformes.
Dentro do consulado, existem grossas faixas coloridas no chão, conduzindo aos destinos desejados. O funcionário disse pra eu seguir a faixa de tal cor pra chegar até o local da coleta de impressões digitais, entrevistas etc. Nota 10 pra acessibilidade.
A grande área onde ficam os diversos guichês pelos quais se tem que passar estava coalhada de gente. Parecia estádio em dia de Fla-Flu, ou pelo menos, o que eu imagino ser a quantidade de gente num jogo desses...
No primeiro guichê avisei que talvez precisasse de ajuda pra me orientar nas diversas filas das várias etapas pré-entrevista e pra leitura dos painéis onde as senhas apareceriam escritas. A atendente, muito educada, me deu senha de atendimento preferencial.
Conheço pessoas que não gostam de utilizar esse benefício, suspeito que por vergonha. Abandonei esse pudor faz tempo! Já enfrento certa desvantagem pela visão limitada, por que negar isso? E por que recusar o benefício? Atendimento especial me facilitaria todo o processo, caso o recusasse, o prejudicado seria eu mesmo, ninguém mais. Além disso, certamente teria que perguntar coisas aos funcionários, o que resultaria no mesmo. Bobagem não aceitar ajuda. Ela faz parte do processo de auto-aceitação dos próprios limites.
Não gosto, entretanto, de exagerar. Assim que a moça me levou ao guichê onde deveria esperar minha vez, percebi que de onde estava poderia ler o número da senha. Comuniquei isso a ela e disse que não se preocupasse comigo enquanto não chegasse a nova etapa. Prezo minha independência e não julgo necessário deixar tudo nas mãos dos outros. Não se trata de resquício de não-aceitação. Antes, é não considerar os outros meus empregados! Pedir auxílio não é vergonha, mas temos que nos ajudar também. E tentar facilitar o serviço das pessoas, que, afinal, não estão lá a passeio.
Finda a parte das impressões digitais e da coleta dos documentos básicos pra entrevista, dirigi-me a outra funcionária que me indicou o guichê onde se realizaria a entrevista. Adorei o atendimento; não havia sinal algum de compaixão por parte dos funcionários. Simplesmente ajudavam alguém que não enxergava bem. Sem drama, sem fogos de artifício, sem cara de dó. Apenas educação e eficiência. Também não assumo postura de coitadinha; talvez isso ajude...
A entrevista foi muito tranqüila e rápida. Como eu já visitara os EUA em outras ocasiões e sempre voltara, não tive dificuldade na aprovação da renovação. O funcionário norte-americano até me perguntou se eu estava indo a New Haven pra conhecer a universidade de Yale! Certa vez, um funcionário da imigração num aeroporto estadunidense me contou, com orgulho, que nascera na mesma cidade de William Faulkner, depois que disse a ele que ensinava literatura norte-americana na faculdade aqui.
Sei lá se é porque meu inglês é bom, ou porque tenho os documentos sempre à mão ou porque tento ser sorridente e cordial todo o tempo, mas jamais fui mal tratado ou atendido com secura. As relações interpessoais dependem do esforço de ambas partes. Tento fazer a minha da forma mais descontraída possível.
Finda a entrevista, faltava apenas pagar a taxa de envio do passaporte vistado e preencher o envelope com meu endereço. Novamente, as faixas coloridas no chão me guiaram. Uma funcionária se ofereceu pra me ajudar no preenchimento, mas dispensei o auxílio. Havia um turbilhão de gente lhe perguntando coisas e eu levara os óculos de leitura. A gente também que colabora, né?!
Não se pode levar celular ou outros aparelhos pro consulado, então não sabia que horas eram. Uma moça me disse que passava das 10. Conclusão: usando o atendimento preferencial, terminei todo o processo antes da hora prevista pra entrevista. Peguei táxi pro metrô e cheguei ao apartamento do Jayme bem antes dele, que tinha ido resolver uns probleminhas. Na verdade, gastei mais tempo voltando ao apartamento do que em todo o processo no consulado.
Como é bom ser albino!

(Que tal Paris Hilton pra presidente dos Estados Unidos?)

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