sexta-feira, 20 de março de 2015

PAPIRO VIRTUAL 91

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História Oral é uma ferramenta acadêmica muito importante pra dar voz a quem não tem muita. Trabalhos com os mais diversos grupos minoritários – mas não apenas – têm produzido registros corretores da “História Oficial” e/ou capazes de motivar adoção de políticas públicas e no mínimo discussão sobre temas por vezes pouco discutidos.
Resenhei Prostituição à Brasileira, de nosso cronista das quartas-feiras, o Prof. José Carlos Sebe Bom Meihy (leia aqui). Fiz disciplinas ministradas por ele na USP e participei dum par de reuniões do Núcleo deEstudos em História Oral (NEHO), onde a função social da HO sempre era martelada. Mas, acabei de ler um livro escrito por jornalistas que a usam pra assumidamente entreter. E como conseguem!
Mad World – An Oral History of New Wave Artists and Songs that Defined the 1980’s (2014) foi concebido e executado pelo escocês Jonathan Bernstein e pela norte-americana duranie assumida Lori Majewski. Prefaciado por Nick Rhodes (Duran Duran, Arcadia) e pósfaciado pelo não tão mais contemporâneo Moby, o livro traz 36 entrevistas com artistas New Wave falando sobre suas carreiras e o processo de composição das canções, que, segundo os autores, definiram uma época.
New Wave é um termo guarda-chuva pra caracterizar a fragmentação de estilos da música pop após o esvanecimento da explosão punk. Bernstein e Makewski consideram que o período foi de fins dos 70’s até a gravação do single inglês Do They Know It’s Christmas? pra angariar fundos pros famintos etíopes. A partir daí, a festa e o glamour acabaram e o pop passou a ser mais planejado e com pretensões a sério. A segunda metade dos 80’s caracterizou-se na Inglaterra pela enxurrada de pré-fabricados pela usina de hits de Stock, Aitken and Waterman e a Segunda Invasão Britânica nos EUA cedeu lugar ao predomínio do rap e de artistas locais (globais, porque os EUA têm o poder, claro).
Os curtos prefácios dos autores e de Nick elencam fatores que levaram à explosão oitentista, dentre outros o barateamento da tecnologia; a influência de David Bowie, tido como pai da década; a MTV que possibilitou a Segunda Invasão Britânica nos EUA, porque como não possuíam vídeos pra rodar as 24 horas da programação, tiveram que ir atrás das “estranhas” bandas europeias. No caso da Inglaterra, a fusão de glam, disco, punk, electronica (Kraftwerk na cabeça!) possibilitou uma mistura muito maior do que comumente aconteceu nos EUA.
Claro que essas são as visões dos prefaciadores, que pintam a metade inicial dos 80s como a última era dourada de criatividade pop em contraste com o hoje pré-fabricado mundo dos artistas que já vem prontos da gravadora, escolhidos em programas de talentos, gratos e humildes por haverem sido escolhidos, por isso, menos ousados. Além disso, o autotune permite que qualquer um cante. Por outro lado, Rhodes destaca o papel da internet como possibilitadora e facilitadora da exposição de novos talentos e criação de nichos de gosto e consumo. Os autores reconhecem defeitos da década como bizarrice e exagero nos cabelos, maquiagem e roupas, predominância da forma sobre conteúdo e até a estupidez de clássicos do período, mas transformam tudo em positividade alegando que era sinônimo duma época independente e de personalidade, quando rádio e público estavam mais abertos pra se aventurarem em abraçar coisas bizarras, diferentes.

A ideia de entrevistar membros das bandas a partir de canções selecionadas como fundamentais causará polêmica entre oitentistas mais renhidos. Alegações contra a ausência de clássicos como Karma Kameleon, do Culture Club, podem ser contemporizadas com a promessa reiterada de segundo volume. Mas, há a inclusão de delícias tão fabricadas como as detratadas canções atuais, como no caso de Obsession, do Animotion. Ou de canções com as quais não concordemos, como na que emprestou título ao livro. O Tears for Fears deveria estar ali com Everybody Wants to Rule the World ou Shout (cujos processos de composição são explicados) e não Mad World.
Unanimidade é difícil, mas como discordar de canções tão fundamentais como The Killing Moon (Echo & The Bunnymen), How Soon is Now (The Smiths), Blue Monday (New Order) ou Love Will Tear Us Apart (JoyDivision)? Ultravox, Spandau Ballet, Gary Numan, The Human League, Mad World – o livro – passa em (ent)revista todos esses artistas que nos proporcionaram a trilha sonora duma década nada perdida em canções executadas/regravadas até hoje. E ainda dá pra descobrir coisas como The Waitresses; alguém lembra/conhece I Know What Boys Like? Sem contar que em cada capítulo há um box com canções ligadas de alguma maneira à tematizada na seção. Volta e meia aparece “novidade”. Os 80’s são um saco sem fundo.
Curioso constatar que a criação das canções quase sempre é contada como obra do acaso ou que tomou muito pouco tempo, como se produzir um hit fosse superfácil (por que tantas produziram apenas um se é tão simples?). Cada capítulo tem um box relatando o que os artistas fazem na atualidade; então, os entrevistados sempre fazem questão de esclarecer que a reunião deles não é por dinheiro ou falta de opção, mas sobram alfinetadas em rivais em turnê por grana. Esse pessoal já foi estrela de primeira grandeza em sua maioria, por isso não espantam resquícios de arrogância.
Na verdade, isso que torna tão divertido Mad World – An Oral History of New Wave Artists and Songs that Defined the 1980’s. Traições, alfinetadas, arrependimentos e a crônica de fatos de bastidores que deram forma a bandas e canções componentes da memória afetiva de uma geração.
Talvez a função social desse trabalho de História Oral seja precisamente alimentar nosso banco de memória, traçar elos de solidariedade entre diversos fãs em distintas partes do globo. Gente que como eu ama(va) Yazoo, Depeche Mode e A-Ha. Essa sonoridade, visual e atitude nos representam.

Jayme, obrigado pelo presente de aniversário. Devorei-o com ardor.  

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