sexta-feira, 24 de junho de 2011

PARABÉNS (ATRASADO) HERMETO

Dia 22 foi niver do albino Hermeto Pascoal.


O gênio de Hermeto

Hermeto Pascoal é uma dessas figuras inconfundíveis da cultura brasileira. Baixinho, albino, de barba e cabelos místicos, vista embaçada, fala fabulosa, o menino alagoano criado em Lagoa da Canoa conquistou o mundo com sua música intuitiva e experimental ou, como bem definiu seu primeiro LP, A música livre de Hermeto Pascoal (1973). Hoje o filho de dona Divina e seu Pascoal completa 75 anos com o mesmo encantamento pelo mundo de quando ouviu seu primeiro choro.
“Cada vez mais eu homenageio o mundo, agradeço a Deus por ter nascido músico. Esses degraus eu vou subir e não parar nunca. Quando eu chegar ao céu, ainda vou querer som”, fala Hermeto, por telefone, de Curitiba, onde mora atualmente com sua parceira e esposa Aline Morena, com quem lançou seu último trabalho, Bodas de Latão (2010). Confira a entrevista com o músico, que espera retornar em breve a Fortaleza.
O POVO – A liberdade da sua música, que emana de toda espécie de objetivo, é principal característica de sua obra?
Hermeto Pascoal - A música sem harmonia é como aquela criança que nasceu e não botaram roupa e viveu a vida toda sem roupa. Eu pego aquelas coisas minhas de percussão que o pessoal já conhece, panela, chaleira, essas coisas todas, mas sempre tem harmonia, quando eu não faço harmonia com o piano ou quando o grupo não acompanha, eu faço uma voz, pra não ficar aquilo só o tempo todo. Eu quando penso na música, fecho meus olhos. Eu me lembro quando comecei a botar chaleira no show, panela, isso há 50, 40 anos atrás, pensei: “eu vou fechar o olho e quero ouvir o som, não quero que as pessoas se impressionem só com a panela”. A música sem acordes é como o roçado sem plantação, o mar sem a água, o céu sem as nuvens e as estrelas, o sol sem abraçar a lua. OP - Sua música esteve ligada à natureza desde sua infância em Lagoa da Canoa. Até hoje é assim?

Hermeto - No meu tempo de menino, até 14 anos, a minha vida era no mato, na época não tinha computador, nem luz elétrica, era na base do candeeiro, a mente ligada pra toda a natureza. Quando eu fui pra Recife, fui vendo, em vez de achar ruim, eu fui me integrando com a metrópole. Hoje eu digo pra você que o meu alicerce foi em Lagoa da Canoa, aquilo hoje que eu chamo de música universal justamente porque tudo tem as suas semelhanças. Você imagina só com 12 notas fazer coisa diferente? Uma vez falei pro (Astor) Piazzolla, porque você não põe uma caixa tocando frevo junto com o tango, que tem essas divisões todas que tem no frevo também.OP – O que ainda te surpreende na música?

Hermeto - A música não para de surpreender. Como eu sou um músico intuitivo, eu aprendi quase tudo assim. A música você tem na cabeça ou não tem. Ler e escrever música, qualquer um que nem tenha tendência pra tocar pode aprender essa técnica e sair tocando um instrumento mesmo que não tenha musicalidade. Isso não quer dizer ser músico, isso quer dizer ser técnico, como em outra área qualquer. Na minha cabeça, eu sou 100% intuição. Eu mesmo se fosse técnico de futebol, o meu time não tinha jogador pra uma posição só. O jogador que não jogasse em várias posições pra mim não poderia jogar. “Agora o ponta-direita vai treinar de centro-avante”. O futebol podia ser melhor, porque todo jogador que joga bem, pode jogar em qualquer posição. Então dá pra você perceber quem é bom músico. Eu procurei escola de música, procurei estudar teoria, mas quando o professor conversava comigo dizia: “Você já tá me perguntando coisa aqui que eu não sei”. Tem muita gente tocando aquilo que se escutasse não tocaria. Então, quem tiver seu filho pequeninho, não ponha pra aprender teoria logo, se ele quer tocar alguma coisa, dá um instrumento pra ele tocar, a teoria vem depois.OP - Você sabe dizer quando percebeu que tinha o dom da música?


Hermeto - Quase ninguém sabe. Quando a pessoa nasce com uma coisa, você nunca se lembra, porque já nasce com aquilo. Muitos me perguntam: “Hermeto, você lembra qual foi o seu primeiro som da sua vida?”. Foi na hora que eu nasci, meu som mesmo, chorando, minha parteira, Mãe Maria, que não sai da minha cabeça, está aqui bem alegre e bonita. Minha primeira música foi a hora do meu chorinho, minha mãe dizendo: “Olha, ele é vermelhinho”. Você sabe que no Norte a gente chama parteira de mãe. Minha mãe falou que me botou na bacia pra lavar, quando ela me lavou na bacia e tudo, botou um pouco de vinagre dentro d’água e botou assim na mão, fez uma conchinha na mão, me deu pra beber e disse: “isso é pra lhe dar sorte”. Já pensou se você faz isso no hospital, dá aquela água, com sangue e tudo, o que é que o médico vai dizer. Eu não morri nem nada, nasci, foi uma das coisas que me deram muita força. Eu estou sempre na minha carreira como se eu tivesse começando a fazer as coisas, não é começando no atraso, é começando com a vontade de continuar a dar evolução nas coisas, porque pra mim não adianta nada ficar paradão. De vez em quando, eu vejo músicos falando na televisão. Já estão aposentados só pelo jeito que falam. Que se aposentar o quê!

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