sábado, 25 de junho de 2011

75



Outro artigo falando sobre os 75 anos de Hermeto Pascoal e dos eventos celebratórios dessa data tão importante pra MPB. 

A alquimia de Hermeto
Um mito só cai pelas mãos de outro. Nos anos 1960, como de costume, Miles Davis chegava aos palcos de suas apresentações passando antes pelo camarim. O americano seguia decidido, passos confiantes, sem nunca dirigir olhares nem palavras a alguém. Abriu uma exceção certa noite. Encarou de perto a figura excêntrica do alagoano Hermeto Pascoal e soltou algumas palavras em inglês, traduzidas pelo baterista e compositor Airto Moreira, que na época integrava a banda de Miles e havia levado o multi-instrumentista ao show.

Dias depois, Hermeto atendeu ao pedido e foi ao encontro do jazzista para lhe mostrar algumas composições. A história é pitoresca, mas horas depois de apresentar seus temas no violão, o brasileiro foi convidado por Miles a enfrentá-lo ali mesmo, em um ringue de boxe de sua propriedade. Como os olhos de Hermeto ficam sempre rodando e apontando cada um para um lado, o americano foi surpreendido com um soco na cara e desabou.
Miles levou na esportiva e apelidou Hermeto carinhosamente de Albino Louco. Tempos depois, por falta de lisura de seus produtores, de uma maneira ou de outra acabou devolvendo o golpe ao gravar duas composições de Hermeto, Nem Um Talvez e Igrejinha, ocultando da ficha técnica o crédito ao verdadeiro compositor. O brasileiro não recebe direitos autorais relativo aos dois temas até hoje, mas não reclama. Nunca criou guiado por caça-níqueis. “Tem muita gente fazendo música com apelo comercial. Cada nota musical deles é tão ruim que é como um tiro na alma da gente. Eu prefiro ficar devendo o aluguel, como já fiz, do que fazer música ruim. A riqueza é o câncer da alma”, diz Hermeto.
O músico, nascido em Lagoa da Canoa, no município de Arapiraca, em Alagoas, já viveu no Rio, em São Paulo e há sete anos e meio mora no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, com sua mulher e também musicista Aline Morena. Um dos maiores revolucionários da música brasileira, “100% intuitivo” e influenciando diversas gerações, seja no piano, na sanfona, na flauta, na chaleira ou na bomba de encher bola, Hermeto segue em plena efervescência criativa, comemorando hoje 75 anos. Como parte dos festejos, o multi-instrumentista se apresenta na Lona Cultural Hermeto Pascoal, em Bangu, bairro onde morou no Rio.

Os eventos relativos às sete décadas e meia de vida do Bruxo de Lagoa da Canoa se estendem até o ano que vem. Hoje, com a ajuda do pianista Jovino Santos Neto, que durante anos fez parte da banda de Hermeto, o site do multi-instrumentista oferecerá gratuitamente 41 partituras de temas inéditos do compositor. Depois, em outubro e novembro, Hermeto segue com seu grupo em turnê pela Europa, onde a série de shows servirá de ensaios para a gravação de um DVD, com lançamento previsto para 2012. Nos próximos meses, ainda em trabalho de edição, deve chegar ao mercado o DVD da gravação do show gratuito que Hermeto fez em outubro de 2009, no Parque do Ibirapuera, com o bandolinista e compositor Hamilton de Holanda e seu quinteto. “Hermeto é uma grande árvore em que as frutas são músicas, ritmos, melodias, e harmonias. O tempo passa, essa árvore fica mais forte, e mais gente – do mundo todo – quer se alimentar desses frutos vistosos e com muito sabor”, diz Hamilton, que já havia lançado no começo deste ano o belo discoGismontipascoal, ao lado do pianista André Mehmari, enriquecendo temas de Hermeto e Egberto Gismonti, além de gravar composições próprias.
Ainda hoje a música de Hermeto se renova de maneira impressionante. Conhecido como figura folclórica e encarado por muitos como um maluco, não se pode negar que a música do autor de temas como Bebê, Forró Brasil, Chorinho Pra Ele, Santo Antonio, Fátima, O Ovo eSão Jorge faz a cabeça de diversas gerações há mais de 50 anos. “Na década de 70, eu estava nos Estados Unidos com o Airto (Moreira) e a Flora (Purim) para gravar. O Tom tinha me convidado para gravar Quebra-Pedra no disco dele. Começou a tocar Garota de Ipanema, ele passou a mão na cabeça e disse: ‘Eu já estou cansado dessa música’. Fiquei assustado. E ele falou: ‘Hermeto, eu gostaria de fazer um som como o do Quarteto Novo, aquele grupo de vocês’. Aí eu disse pro Tom passar mais tempo no Brasil. Depois de uns três meses apareceu É pau, é pedra… Águas de Março. Eu pensei: ah, isso é bem brasileiro, bem nordestino. Graças a Deus, o Tom escutou o que eu falei”, lembra.
Tom não foi o único. Anos antes, em 1967, o também craque Edu Lobo venceu o Festival da Canção com Ponteio. A banda que o acompanhava ao lado de Marília Medalha? O Quarteto Novo, com Hermeto, Airto Moreira, Théo de Barros e Heraldo do Monte. No exterior, despertou o mesmo fascínio sobre nomes como Herbie Hancock, Wayne Shorter, Chick Corea, Ron Carter, Herbie Mann e o próprio Miles Davis.
O legado que Hermeto segue construindo não para de aumentar. Sempre pensando em inovar, não apenas musicalmente, o compositor tem escrito ultimamente seus temas em telas de pintura. Em sua casa, hoje são mais de 200 “partituras-quadro”. “Antes, o Hermeto compunha uma por dia, agora são duas, três, sempre com muita qualidade”, diz Aline Morena

Nenhum comentário:

Postar um comentário