quinta-feira, 17 de março de 2011

TELONA QUENTE 20

Incompletude Argentina

Na sociedade espetacularizada da contemporaneidade, as barreiras entre ficção e realidade estão cada vez mais dissolvidas. Reality shows que de tão editados e combinados não tem nada de “real”, filmes em tempo real ou hiper-realistas que parecem não se quererem como tais. Há tempos a expressão “parecia um filme” se tornou clichê na descrição da realidade, seja para narrar um casamento, seja para relatar um cataclismo.
Adopción (2009) é uma produção argentina que embaralha cinema de ficção e documentário. Dirigida por David Lipszyc, a película começa afirmando ter sido baseada em fatos reais. Pouco depois da Guerra das Malvinas, um homem adota uma criança de um orfanato, sem mencionar que vive uma relação amorosa com outro homem. Obviamente, temia que a custódia do menino lhe fosse negada. Aos poucos, o garoto vai se acostumando à nova família, mas sua rebeldia e desejo de conhecer sua mãe fazem com que o pai adotivo pesquise suas origens. È então que descobre que Juan pode ser filho de uma das milhares de desaparecidas resultantes da assassina ditadura argentina.
O filme é estruturado sob a forma de entrevistas, dando a impressão de documentário. Juan, o casal adotante, uma psicóloga, cada um aborda temas da vida no orfanato, da doação do ato da adotar, do estranhamento e ansiedades provocados pela adoção por um casal homoafetivo, do desejo de se conhecer as raízes biológicas. A poeticidade e organização das falas, porém, traem o caráter de construção artística das falas.
Com pouco mais de uma hora de duração, Adopción é entrecortado por interlúdios de supostos vídeos caseiros em Super 8, animação, bonecos de Playmobill e efeitos sonoros diversos. Temas complexos e muita pretensão de romper barreiras formais.
Aí está o grande defeito do filme. Adopción falha em aprofundar o desenvolvimento de qualquer tema. No fim, fica tudo no ar. O roteiro não dá conta de penetrar no fascinante e polêmico tema da adoção gay, nas conseqüências que teve para Juan, no impacto da ditadura e nem no resultado da jornada em busca da família biológica. O tempo gasto com as experimentações contribui ainda mais para isso. No fim, o que sobra é um exercício formal que transforma em pastiche o que encontra pela frente. Fica tudo pela metade. Filme, documentário, experimentalismo, estão no meio do caminho, dispersos em muitas idéias que não tiveram o rigor de serem selecionadas e verticalizadas. Frustrante.         

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