terça-feira, 8 de março de 2011

TELINHA QUENTE 11

Usou, Joga Fora

Um dos melhores presentes de Natal que já me dei foi um DVD player portátil. Sempre em ônibus ou esperando horários de aula em salas de professores, o aparelho me permite otimizar o uso do tempo, pra me divertir e/ou informar. Terça à noite, enquanto esperava pra entrar em classe, assisti ao excelente documentário Comprar, Tirar, Comprar, co-produção franco-hispano-catalã, do ano passado.
Produzido pra TV, o documentário discorre a respeito dum tema candente pra sobrevivência da biosfera: obsolescência planejada (OP). A OP consiste no fabrico de produtos com vida útil cada vez menor pra forçar os consumidores a adquirirem modelos novos. A Revolução Industrial começou a explodir a produção de bens de consumo, sempre em quantidade e variedade crescentes.
O conceito ganhou destaque na sociedade capitalista com a Crise de 29, quando uma massa descomunal de trabalhadores perdeu seus empregos. Uma das medidas foi a redução do tempo de uso dos produtos pra manter - e aumentar sempre - a produção pra garantir emprego, produção e consumo em ritmo preferentemente ascendente.

O primeiro exemplo do uso da política da OP foi a lâmpada. No tempo de Thomas Edison, o tempo médio de vida duma lâmpada era de 1500 horas. Na década de 1920, esse tempo aumentara pra 2400. Precisamente nessa época, um cartel de fabricantes decidiu tomar medidas pra que os engenheiros desenvolvessem produtos com vida reduzida, até atingir a média de 1000 horas.
Já no fim do século XIX, um fabricante norte-americano inventara um filamento que poderia durar décadas. Em 2001, comemorou-se 100 anos duma lâmpada californiana. Detalhe: ela estava acesa ininterruptamente durante um século! A fórmula pra esse prodígio de economia de material morreu com seu fabricante, mas a possibilidade de produzir produtos longevos existe. Na antiga Alemanha Oriental, uma lâmpada que poderia ficar acesa por 100 mil horas foi patenteada. Nenhum fabricante ocidental interessou-se em produzi-la. Com a queda do Muro de Berlin e a capitalização do mundo comunista, o produto virou peça de museu do tempo da economia planificada pelo estado.
A economia baseada na descartabilidade desenfreada repousa numa contradição fatal pro planeta: a produção pode ser sem fim, mas as matérias-primas e os locais pra estocagem das montanhas de lixo resultantes são limitados.

Onde os megaconsumistas países desenvolvidos descartam seu lixo tecnológico? Nos países subdesenvolvidos, como a República de Gana, na África. Com a desculpa de diminuir o desnível tecnológico entre esses 2 mundos, as limpíssimas Dinamarcas emporcalham o meio-ambiente africano. Uma lei internacional proíbe a exportação de lixo, mas a alegação de que se trata de “artigos de segunda-mão” resolve o problema. Em 2009, a Inglaterra nos confundiu com a África e enviou pra cá diversos containers de lixo tóxico. Depois de grande escândalo, o material foi mandado de volta pros anglo-porcalhões. Será que depois foi reenviado pra sujar outro país pobre?
Os países são distintos, mas o meio-ambiente é um só, resultando que a deterioração da biosfera dos países pobres inundará as ricas Austrálias. No fim, a conta vem pra todo mundo.
O documentário mostra como a internet e uma crescente consciência ecológica baseada na sustentabilidade vem atuando pra alterar esse estado de coisas. Usuários de impressoras encontram softwares online que desativam chips implantados nas máquinas pelos fabricantes e que as fazem travar quando determinado número de cópias é atingido. Nos EUA, um grupo de consumidores processou a Apple devido aos primeiros ipods. As baterias duravam muito pouco e o fabricante forçava os usuários a trocarem de aparelho, uma vez que não havia baterias pra troca. Ao final, a empresa aumentou a tempo de vida das baterias e os usuários foram compensados. E a Apple se diz tão “verde”, não?...

Comprar, Tirar, Comprar coloca questões tão importantes quanto o tão falado conceito de liberdade propiciada pelo mercado sem regulação. Se um fabricante embute um chip no produto que você adquiriu, forçando-o a comprar um novo, onde fica sua “liberdade de escolha”?
Também faz pensar no caso brasileiro e na recente explosão de consumo, usada como bônus eleitoreiro e índice da nova riqueza do país. O mesmo consumo, que, ganha a eleição, é apontado como motor de inflação. Estamos nos preocupando com a questão da OP? O que fazemos com as pilhas de celulares descartados o tempo todo?
Projetos interessantes como coleta reciclável de lixo já ocorrem em diversos lugares, gerando renda e colaborando com a preservação ambiental. Precisamos de campanhas educativas pra consumir mais inteligente e sustentavelmente?
E em nível pessoal, necessitamos mesmo trocar de celular a cada 6 meses? O meu já tem mais de 3 anos, está meio descascado, mas ainda me serve e nem ligo que esteja velhusco. Minha identidade não é definida pelo modelo de celular que possuo. Se alguém “repara” em meu telefone, o problema é da pessoa, porque a mim não afeta a mínima. Ao fim e ao cabo, consumo alucinado e auto-estima estão intimamente ligados. Mas, isso fica pra outra postagem...
(Comprar, Tirar, Comprar está no You Tube. Não garanto que esteja completa, pois não foi esta a copia a que assisti.)

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