domingo, 20 de dezembro de 2009

TRAINCHA CANTA O MESTRE


Há uns meses, Jayme correu risco calculado. Ele me recomendou um disco de covers do Burt Bacharach. Disse que tinha ouvido falar a respeito duma cantora holandesa chamada Traincha, que em 2007 gravara um álbum só com canções do compositor norte-americano. Como bobo ele não é, revestiu a indicação dizendo que tomara conhecimento do álbum no grupo de discussão da Basia. Desfrutando do status de meu melhor amigo, Jayme sabe me manipular direitinho. Explico: Basia é uma cantora polonesa a qual ambos amamos e achamos chiquérrima. Fã da Basia geralmente também curte Bacharach ou pelo menos tem gosto que em parte combina com o nosso. Se foi fã da Basia quem indicou, valia a pena passar a dica pra mim.

Mas, por que risco calculado, perguntará o leitor? Não foi apenas uma indicação de um álbum?? Não, claro que não foi: foi indicação dum álbum com canções de BURT BACHARACH!!! Aí o negócio muda de figura. Sou maníaco por Bacharach; pra mim é um dos maiores compositores populares de todos os tempos. Se tivesse que escolher alguns CDs pra levar pruma ilha deserta, uma coletânea do Burt estaria na mochila. Se pudesse levar a discografia completa, melhor.

Bacharach, nos idos dos anos 60, misturou elementos de bossa nova, pop, soul, jazz e criou uma sonoridade particular. Ele é daqueles compositores que imprimem marca tão característica na composição que sabemos quando o material é dele ou foi influenciado por ele.



Juntamente com o parceiro Hal David, Bacharach teve uma sucessão impressionante de hits nos EUA e na Inglaterra, e, ao longo da carreira faturou Oscar, Grammy e Tony. Na voz de Dione Warwick achou veículo perfeito pra sua música. Aí, aliás, reside um problema pra quem regrava Bacharach: o fantasma de Warwick. Fã de Burt quase sempre compara tudo a partir da Dione.

Acontece que a música do compositor pertence à rarefeita esfera daqueles mestres que são interpretados por meio mundo. A lista de cantores que gravou suas canções daria post quilométrico! Muita gente que amo do pop inglês gravou e cita Bacharach como influência. Ainda sonho em ouvir Morrissey cantando Anyone Who Had a Heart... Derreteria titânio.

Pra mim, particularmente, a comparação com Dione Warwick não tem muito peso. Como desprezar um álbum tão fantástico como o Painted From Memory, do Elvis Costello? Ele interpreta magnificamente as canções. Os maníacos por Dione Warwick terão chiliques ao saberem que a frase “LA is a great, big freeway” ficou muito mais chique na voz da Corrine Drewery, em minha opinião.

O que importa pra mim é manter o “espírito Burt” da canção! Eu amo o cara porque ele construiu uma sonoridade DELE, então é ela que eu quero. Se não eu ouviria outra coisa. No começo do ano, ouvi álbum duma moça cujo nome nem lembro mais. Ela transformou um punhado de canções do Mestre em puro jazz, que se encaixaria em filme do Woody Allen. Ficou cool, ficou novaiorquinamente sofisticado. Mas ficou chato pra burro e descaracterizou Burt.

Todos esses riscos Jayme correu ao me indicar o álbum da Traincha cantando Burt Bacharach. Ele poderia ter recebido email mal educado reclamando que me fez perder tempo ou dizendo que parasse de me recomendar lixo. Mas, nada isso aconteceu.


Traincha é o nome anglicizado de Trijntje Oosterhuis e o álbum onde interpreta Mestre Burt Bacharach se chama Look of Love: Burt Bacharach Songbook (2007).

A abertura me deixou animadíssimo. A versão de Do You Know the Way to San Jose não desapontará nenhum fã do Swing Out Sister! E é impossível pensar num fã do SOS que pelo menos não goste de Burt.... Traincha transformou Do You Know.... em algo diferente do original, mas manteve o “espírito Bacharach”.

Essa postura permanece ao longo de todo o álbum. A cantora jamais tenta mudar o que ela própria resolveu interpretar. The Look of Love continua com a batida de bossa nova e as cornetinhas que tanto amo no Burt (se ouço uma canção e tem cornetinhas tocadas dum determinado jeito já dou o alerta: Isso é Burt! Ou Isso nem é influenciado Burt!). The Windows of the World continua um dramático apelo contra a guerra. Tem que ser dramático, é um apelo né?

Traincha sobrevive à comparação com Dione Warwick. Ela Interpreta as canções do Mestre com emoção e como alguém que entendeu o material que tem nas mãos, ou melhor, na garganta. Eu ainda levaria as versões originais pra ilha deserta, mas é covardia comparar porque eu as ouço desde não sei quando...

Resumindo: é um grande álbum, idealizado por uma ótima cantora e que mantém a sonoridade muito particular inventada por Burt Bacharach. Maravilha ver que no século XXI, as regravações de suas pérolas pop continuam a todo vapor!

PS: escrevi este texto ouvindo Traincha, claro. Enquanto o fazia minha sobrinha mais nova, a Luana, entrou no quarto. Estava tocando What the World Needs Now e ela disse “ai, adoro essa música!” Achei estranho ela conhecer e perguntei onde. Daí ela falou que tá na trilha sonora duma novela atual.


Um comentário:

  1. Adorei seus comentários sobre este adoravel ser humano, compositor americano Burt Bacharach
    Estes caras vem para nos transmitir um amor infinito através das suas músicas ! Que cara maravilhoso, iluminado ! Parabens pela sua sensibilidade musical e pela sua luta neste mundo cruel, cheio de discriminações !!

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