quarta-feira, 20 de abril de 2011

CONTANDO A VIDA 31

Dia 18 de abril é aniversário do escritor infantil mais popular do Brasil: Monteiro Lobato. Por isso, essa data é o Dia de Monteiro Lobato. Nosso cronista em Paris, José Carlos Sebe, dá um puxão de orelha no excesso de correção política, que ameaçou censurar a obra de Lobato.   

A CARNAVALIZAÇÃO DE LOBATO.
José Carlos Sebe Bom Meihy

Em seus escritos, Lobato era pouco chegado a festas. O teor argumentativo do nosso escritor maior mergulhava em mares ácidos, indicativos de temas severos, críticos, pouco – bem pouco – humorados. Mesmo no Sítio, não se falava de festas a não ser de encontros de bichos na mata ou de peixinhos no fundo das águas. É verdade que a devoção à vida livre, brincadeiras que envolviam assombrações eram evocadas na obra infantil, mas nada de carnaval. Nada. Pois é, por ironia do destino, um dos enredos mais cativantes de toda história do carnaval carioca foi sobre ele.
Em 1967, no ano do enrijecimento da ditadura militar, a vibrante Estação Primeira de Mangueira colocou na rua “O mundo encantado de Monteiro Lobato” e levou o primeiro lugar do concurso fazendo o Brasil todo cantar. Dimensionando enorme sucesso da Rede Globo de Televisão, Lobato sob as benesses da cultura oficial fora então homenageado e, diga-se, o povo afiançou o lance, repetindo o estribilho sensacional: “E assim... E assim/ Neste cenário de real valor/ Eis... o mundo encantado/ Que Monteiro Lobato criou.” Ainda que depois disso aqui e ali fantasias de Emília repontem nos festejos momísticos, o mundo de Lobato se apagou como motivo carnavalesco e tem sido mais evocado nas escolas, como tema pedagógico, principalmente de iniciação à leitura. Este ano, porém, em pleno 2011, Lobato voltou carnavalizado. E de maneira exuberante. Tudo em função do ridículo veto às “Caçadas de Pedrinho”. Como lembramos, no ano passado, o CNE (Conselho Nacional de Educação) vetou a distribuição desse livro sob alegação de racismo e divulgação de preceitos tidos agora como “politicamente incorretos”. O recorte de uma passagem do livro sustentava a justificação identificadora do preconceito. A passagem referia-se ao pavor de onças que se apossava de Tia Anastácia, que sequer podia ouvir falar desses bichos. Assim, por exemplo, é descrita uma cena: “Tia Anastácia, esquecida de seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida”.  Revoltando a massa inteligente do país, manifestos foram apresentados de maneira a impedir o ridículo veto que felizmente caiu. Tudo teria morrido por aí não fosse a picardia de um bloco carnavalesco, desses que deixam transparecer o espírito crítico incontido na sagacidade popular.

Ninguém menos que Ziraldo ironizou o episódio com uma sátira danada de picante. Ilustrou a camiseta do bloco “Que merda é essa” com a caricatura de Lobato abraçando uma mulata e, entre ele e a moça, uma onça. Ladeando ambos um cravo e uma rosa. Em mensagem amplamente divulgada, a autora do texto detrator de Lobato “Um defeito de cor”, Ana Maria Gonçalves, escreveu rebatendo Ziraldo e a turma marota do bloco: “Monteiro Lobato sempre se referiu a negros e mulatos com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própira superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje.” A investida dos autores do samba do “Que merda é essa” é bem armada e inscreve o debate na ironia a tudo que é “politicamente correto”. A letra assinada por uma pequena coleção de autores – Machado, Paulinho Bandolim, Boca, Fernando, Renan e Deivid Domênico – é sensacional. Vejamos: “Depois de oito anos no poder/ o bolsa-escola vai servir para alguma coisa/ Tô precisando completar o meu primário/ Tirei um livro empoeirado do armário/ Mas a história mudou... O cravo e a rosa não podem brigar/ ‘Nunca na história deste país’ o saci foi proibido de fumar/ Tia Anástácia sai da cozinha! vem sambar/ Pra ser destaque em Ipanema/ A dona Benta acende o fogo em seu lugar/ Se eu disser que o bambi é veado, eu vou pra prisão/ A cara do boi ficou ‘negra’/ Pirimpimpim virou produto do Alemão/ Tô convencido que estudar não leva a nada/ o meu negócio é tomar uma gelada/ Ô, companheiro, que merda é essa? É carnaval e ninguém vai censurar/ Vou atirar o pau no gato na folia/ E esse ano vou voltar a estudar.” A lição maior a ser tirada é importante: abaixo a censura, viva a liberdade de expressão e o respeito ao que foi escrito nos padrões de uma época. É lógico que devemos perceber mudanças e usar o passado como degrau para transformações. É, pois, tempo de ler Lobato pelo que ele foi e não pelo que orgãos do poder quiseram e nem pelos analistas desprovidos de conhecimento. Viva Lobato carnavalizado!  

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