segunda-feira, 20 de junho de 2016

CAIXA DE MÚSICA 223

Roberto Rillo Bíscaro

Durante a maior parte de sua já longa carreira o Big Big Train tem sido independente, exceto por um par de anos nos 90’s, quando assinou com a Giant Electric Pea. Também tem sido banda de estúdio; apresentações ao vivo começaram ano passado, em Londres, saudadas pela diminuta comunidade prog.
Fundada no início dos anos 90 por fãs do Genesis, Van Der Graaf Generator e da Neo Prog IQ, o Big Big Train sempre esteve na fronteira entre o Prog e o Neo. A familiaridade com o venerável grupo de Peter Gabriel/Phil Collins não pode ser olvidada. A voz de David Longdon às vezes lembra a dos 2 colegas mais famosos e o baterista é Nick D’Virgilio, um dos substitutos das baquetas vagas pela defecção de Collins e que tocou no desastroso Calling All Stations (1997). Não usemos isso contra o batera e nem a similaridade vocal contra Longdon, que está cantando melhor do que jamais, mas os fatos explicam bastante porque alguns momentos do nono álbum – Folklore, lançado dia 27 de maio – soam como We Can´t Dance (1991) poderia ter sido, caso Banks/Collins/Rutherford estivessem com tempo para fazer boa música e não consumidos com intermináveis turnês e contagem de dinheiro. Ouça a faixa-título e Wassail e me digam se não tem jeitão de Genesis early 90’s.
A beleza do BBT é que a influência genesiana e de outros clássicos progressivos, como Jethro Tull e Renaissance, é ressignificada para criar sonoridade que é da banda, mas claramente pertence a uma tradição subgenérica, a saber, a do rock progressivo de mat(r)iz britânica. Ouça a faixa-título novamente e me digam se não tem teclado fase Banks início dos 70’s e música celta, coexistindo com a vibe noventista.
A influência celta deve justificar o folclórico título do álbum. Em Winkie, a pastoralidade é rapidamente substituída por dança de aquecimento pra batalha entre celtas e saxões. Dá vontade de pintar a cara de azul, calçar os sapatos vermelhos da Kate Bush (ouça a faixa-título de seu álbum de 93 e me digam...) e lutar pela Escócia! As canções, porém, nunca são lineares; o mutável clima em Winkie reflete a história do pombo-correio que tem a missão de transportar mensagem que pode salvar soldados ilhados. Quase 8 minutos e meio de extravagância prog e isso nem é o melhor do álbum. Winkieeeeeeeeeeeeeeee!
London Plane, Along The Ridgeway e Salisbury Giant intercalam aquela melancolia prog tão pastoral britânica de começo dos anos 70 com momentos mais vibrantes – mas não pesados – prenhes de Mellotron, Moog e flautas e de vez em quando uma piscada para o Yes e o Tull. Como Longdon canta! E ainda nem falei sobre os picos de excelência de Folklore.
O primeiro vem com os mais de 7 minutos de The Transit Of Venus Across The Sun. Quer mais prog do que paralelizar um relacionamento com um fenômeno astronômico? Se você digitar o título da canção no Google, encontrará todas as informações e até vídeos sobre o trânsito de Vênus. Orgulho de ser fã prog! A canção abre como hino religioso, vira melodia do Genesis fase 12-string guitar e vocal muito Peter Gabriel e segue se movendo numa melodia memorável com harmonias vocais de arrepiar e o orgasmo quando todos esses elementos se unem.
A catarse everéstica fica por conta da dúzia de minutos e meio de Brooklands, épico progressivo que quando se acha que vai acabar, muda o andamento e nova avalanche instrumental soterra o ouvinte numa canção espertamente construída por uma guitarra que não sola quilometricamente sozinha, mas à Steve Hackett costura por baixo unindo e conduzindo tudo.
Brooklands é a penúltima faixa de Folklore, que não acaba com essa apoteose, embora pareça duro de crer. Telling The Bees ajuda a baixar o surto de euforia (assim que você despressionar a tecla repeat) com um pequeno milagre início dos 70’s, que logra misturar country com soul e ainda Tony Banks. Tipo The Cowboy Junkies encontra Gladys Knight & The Pips e Tony Banks.


O Big Big Train finalmente conseguiu achar o equilíbrio perfeito entre progressivo e neo prog, entre suas influências explícitas e seu talento próprio, entre técnica e emoção. O resultado é um álbum que já pode constar dentre os melhores do ano no subgênero. 

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