terça-feira, 14 de junho de 2016

HORROR NO MALAWI

Crença macabra gera surto de ataques contra albinos no Malawi


LILONGWE, Malauí - Edna Cedrick é assombrada diariamente pela imagem da cabeça decapitada de seu filho de 9 anos, que teve que identificar para a polícia após ele ser arrancado violentamente de seus braços no meio da noite.
A morte do menino é mais uma num recente crescimento dos sequestros, mutilações e matanças de pessoas albinas no Malauí, no Sul da África. Elas são alvo de tamanha violência devido a uma crença macabra, propagada por "feiticeiros", que usam partes dos corpos dessas vítimas em poções e rituais proscritos para trazer riqueza e boa sorte.
Por causa disso, ao menos 18 pessoas foram mortas no Malauí desde novembro de 2014. Outras cinco foram sequestradas e seguem desaparecidas, afirma um relatório da Anistia Internacional divulgado nesta terça-feira. O número real é provavelmente bem maior, porque, segundo a ONG, muitas mortes em áreas rurais nunca são reportadas.
Segundo a polícia do país, os ataques em seu território estão se tornando mais frequentes após a vizinha Tanzânia tomar medidas duras contra os crimes e o tráfico de partes de corpos das vítimas. Com as ações, o preço dos itens macabros estaria subindo no mercado negro, o que provoca novos ataques.
Edna, mãe do menino assassinado, contou em entrevista à agência de notícias Associated Press (AP) o que ocorreu na noite em que ele foi levado. Ela carrega no colo o outro filho, gêmeo e também com albinismo. No meio da noite, a mulher acordou com o barulho da porta sendo arrombada. O marido estava viajando e ela ficou sozinha com os gêmeos.
"Antes de eu conseguir entender o que estava acontecendo, eles cortaram a rede contra mosquitos e agarram um dos gêmeos. Eu segurei ele pela cintura enquanto virava com o corpo para proteger o outro", conta a mãe de 26 anos, chorando.




Quando os atacantes não conseguiram puxar as crianças, um deles bateu na cabeça dela com um facão.
"Eu fiquei tonta e perdi o meu filho. Eu gritei por ajuda, mas quando os meus parentes e vizinhos conseguiram chegar, eles já tinham fugido", diz ela. O filho sobrevivente sempre pergunta onde o irmão está. Ela mente, dizendo que ele vai voltar.
No mesmo dia da entrevista, Fletcher Masina, um homem albino de 38 anos, pai de quatro filhos, foi sequestado. Quando seu corpo foi encontrado, estava sem os braços e pernas.
"Esse comércio macabro também é motivado por uma crença de que os ossos das pessoas com albinismo tem ouro, assim como que fazer sexo com um albino pode curar o HIV", diz o relatório.
Ativistas tem protestado no país, pedindo leis mais duras contra ataques a albinos. O presidente Peter Mutharika prometeu criar um comitê para analisar a questão, mas ainda não tomou nenhuma decisão.




Quando a equipe da AP estava no distrito de Machinga, no sul do país, tentou falar com um homem que pedalava carregando uma criança albina. O homem puxou uma faca e quase atacou os jornalistas. Razik Jaffalie, de 31 anos, se acalmou e contou que está desempregado: abandonou o trabalho como motorista de táxi para proteger o filho, de 3 anos.
"Minha vida parou, mas é meu filho. Quem tentar roubar ele de mim vai ter que me matar antes", afirma ele, abraçado à criança.
Nina Godfrey é uma adolescente de 13 anos, albina. Ela é líder da turma na escola, com as melhores notas. Quer ser advogada quando crescer. Mas para isso, tem que sobreviver: meses atrás, seu tio tentou sequestrá-la durante a noite.
"Eu estava dormindo e de repente acordei, nua, sendo carregada do lado de fora da casa numa chuva pesada. Quando eu gritei, meu tio agarrou meu pescoço e quase sufoquei. Tentei fugir, mas me amarraram numa bicicleta. Só que na próxima parada, eles me soltaram enquanto negociavam com o comprador. Eles discutiram o preço e não viram que eu consegui me afastar", conta a menina. Nina se escondeu numa casa abandonada até de manhã, quando foi encontrada pelo proprietário e voltou à família.
"Chegou a hora do governo do Malauí parar de enfiar a cabeça na areia e fingir que esse problemas vai passar", declara Deprose Muchena, diretor da Anistia para o sul da África.

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