segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

CAIXA DE MÚSICA 152


A Pedagogia dos Pixies

Roberto Rillo Bíscaro

Alguns (poucos) álbuns atingem status de cartilha, servindo de guias de aprendizagem pra repetidas gerações. The Beatles, The Smiths, Kraftwerk, David Bowie, Sex Pistols, Prince gravaram pedagogias.
Em 1989, os norte-americanos Pixies lançaram Doolitle, parte do beabá grunge e outros tantos movimentos rock até hoje. Dá pra imaginar a sonoridade do Nirvana sem Doolitle? Ouça Gouge Away e me conte.  
No começo do mês, a 4AD (que já teve os Cocteau Twins no catálogo) lançou uma edição comemorativa intitulada Doolitle 25, constante de 3 CDs; um com o álbum original e os outros com demos, lados B, sessões de rádio. Já critiquei negativamente lançamentos de Elton John, Cindy Lauper e Led Zeppelin nessa linha por trazerem versões que apenas fãs-detetives diferenciam da original ou por amontoarem rejeitos. Não é o caso de Doolitle 25.
Quase todas as 15 faixas originais ainda são tão excitantes como quando surgiram. Doolitle tem a capacidade de ir do fofo ao grotesco, do sussurro ao urro (um contém o outro como nos ensina a palavra), às vezes na mesma faixa, como em Tame.
Punk, funk, reggae, surf rock, pop e mais tantas referências presentes num trabalho que só pode ser surrealista; Black Francis cita Cão Andaluz de Luis Buñuel na letra de Debaser, que abre o álbum com baixo gordo gótico e guitarras que seriam marca-registrada daquelas bandas inglesas do começo dos anos 90, tipo Ride e Lush. Isso posto, não adianta muito tentar decodificar as letras, vejam o caso de Wave of Mutilation, onde o sujeito parece se afogar após dirigir pra dentro do oceano, mas ressurge numa onda de mutilação.
Pros que nunca ouviram o disco, tantas referências sônicas e obscuridade nas letras pode dar a falsa ideia de hermetismo. Não. Tente Crackity Jones que parece trilha pra filme de Quentin Tarantino, antes desse diretor efetivamente começar a fazer cine.
Doolitle é instrutivo, porque tem esse caráter de combinar inúmeros elementos e sintetizá-los em aparente simplicidade e fluência rock.


O CD 2 vem com extrações das Peel Sessions, programa do influente radialista inglês John Peel. 13 faixas provam que os Pixies mantinham boa qualidade fora do estúdio. There Goes My Gun dá vontade que a versão de estúdio também tivesse guitarras um pouco mais alucinadas. Manta Ray vem em 2 versões que trazem diferenças perceptíveis pra não-especialistas e mostra que Black Francis tem pulmões do diabo pra gritar, embora em Tame só no estúdio mesmo praquela descarga de urros. As 2 versões de Into the White com os vocais mortiços de Kim Deal são grandes dicas pra moçada grunge e shoegazer.  
O disco terceiro traz demos (às vezes, mais de uma) de todas as canções, mais alguns lados B. Embora nenhuma demo mereça tomar o lugar das faixas do Doolitle “oficial”, vale ouvi-las pra conhecer os rascunhos da Caminho Suave dos Pixies e perceber como tinham muito boa noção do que queriam sonicamente e também como um bom produtor faz diferença numa gravação.
No quesito lado B, deve causar inveja a muito roqueiro que a criatividade pixiana estivesse tão em alta que pudessem se dar o luxo de deixar algo tão bom quanto My Manta Ray Is All Right fora da tracklist oficial. Ou seria o caso de perguntar, por que a faixa não tomou o lugar de inferiores tipo La La Love You ou No. 13, Baby?
Muito devido o lançamento da edição comemorativa expandida de Doolitle. Que as futuras gerações continuem sua educação musical com esse grande material didático. 

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