terça-feira, 21 de maio de 2019

TELINHA QUENTE 361

Roberto Rillo Bíscaro

Parear policiais com personalidades díspares em tarefa que exige profunda confiança entre os parceiros, pode ser desastroso em termos procedurais da vida real, mas em ficção é lugar-comum pra gerar conflito. E que é o drama se não conflito? Ruim pra polícia, bom pro espectador. Como é na TV mesmo, dane-se a verossimilhança, que, afinal, é interna e não extrínseca.
A dúzia de episódios de Carlo e Malik (2018), constantes do catálogo da Netflix, traz a batida dupla de policial experiente que tem de trabalhar com novato, do qual desconfia e com quem compartilha quase nada. O tira coroa não age dentro das regras estritas, enquanto o mais jovem quer fazer tudo certinho, porque tem de provar competência e ainda crê que pode consertar o mundo, só porque tirou das ruas algum café pequeno do tráfico.
No caso da série italiana, o entrevero entre Carlo e Malik não vem pelo golfo geracional, mas pelo racismo. Carlo Guerrieri é o macho adulto branco que não esconde muito bem seu desdém ou desconfiança por outras etnias, ainda mais quando não se pode mais pensar numa Itália (e por extensão, Europa) estritamente caucasiana. Seu parceiro Malik é nascido na Bota, tem sobrenome ítalo (Soprani), mas suscita desconforto, ressentimento e suspeita não apenas entre alguns colegas, mas especialmente entre suspeitos e testemunhas. Ao longo do show, chegam a incomodar, as explícitas manifestações de racismo na delegacia e fora dela, pelas quais passa Malik. Que incomode não significa que não devam estar representadas, porque muitas delas lembram muito nosso racismo “discreto” à brasileira. Na verdade, o incômodo especular que algumas situações podem causar é o verdadeiro ponto forte de Carlo e Malik.
Em termos de série policial, já se viu o procedimento incontáveis vezes. Um time resolve casos em cada episódio, mas, na era das maratonas em streaming, há uma supratrama envolvendo um esqueleto desenterrado do passado de Carlo e que transcorrerá por toda a série. Carlo e Malik são o epicentro, mas os demais membros da equipe ganham contornos próprios, ainda que gravitem ao redor dos reis-sois do show, como deve ser. Ou seja, é na medida pra agradar fãs de shows de detetive.
Além do subtexto social e da destreza no manejo roteirístico, Carlo e Malik têm os lindos cenários de Roma, substituindo as mais convencionais urbes anglófonas. Também em termos comparativos com as séries policiais anglo-ianque-escandinavas, os relacionamentos entre colegas de serviço e entre policial e suspeitos/testemunhas diferem bastante. Mais acostumados à “reserva” politicamente correta das produções americanas estranharão algumas coisas que Carlo fala aos colegas em termos de intromissão e também pelo fato de vítimas terem suas confissões ouvidas com as mãos encapsuladas pelas do durão, mas terno, detetive. É a familiaridade latina contrastada à “frieza” escandinava. Acontece que essa familiaridade escolhe muito bem para quem se manifesta.
Carlo e Malik é totalmente maratonável, se você curte investigações policiais e mistérios.

O catálogo da Amazon Prime cresce lentamente demais, mas a parte de séries é bem interessante para quem quer ver produções menos cotadas. Podem não ser brilhantes (e quem disse que as da Netflix são?), mas há coisas boas e você ainda pousa de “alternativo”. Tipo ver série no Eurochannel ou no Europa Europa, na era ancestral da TV por assinatura.

O Bosque Escuro (2015) manterá ocupado quem curte thrillers de conspiração médico-psiquiatra, tipo filmes como Coma (1978) e Medidas Extremas (1996). A perturbada professora de psicologia Nina Ferrari retorna à cidade natal, onde conseguiu aula na universidade. Ao dirigir pela estreita estrada que ziguezagueia entre a floresta que esconde a cidade, Nina vê moça fugindo desesperada. Ao tentar ajudá-la, seus próprios fantasmas de infância reemergem das sombras, na figura dum sujeito encapuzado à moda dos serial killers de slasher films. Na verdade, o homem lembra o assassino da ótima série Slasher, da Netflix. A rica Nina Ferrari é constantemente desacreditada, devido aos medicamentos que toma, mas logo percebe que algo de errado e perigoso paira sobre as camadas mais altas econômica e intelectualmente da medieval Viterbo.

O Bosque Escuro não oferece novidade narrativa, mas como suspense psicológico distrai bem, além da ambientação no outono sombrio da Itália central ajudar deveras. O visual é muito belo e o enredo vai se adensando e tem as recomendadas reviravoltas desse subgênero.

O senão é a duração dos quatro episódios. Numa época em que as séries tornam-se mais curtas não apenas em termos de temporadas, mas, de capítulos, cada um deles em O Bosque Escuro dura cerca de 90 minutos. Tempo de exibição de longa-metragem B. A série é realmente B (isso não é desmérito), mas poderia ter se dividido em porções mais compactas ou enxugado seu tempo diegético no geral. Tornaria tudo mais dinâmico.

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