quinta-feira, 1 de junho de 2017

TELONA QUENTE 188

Resultado de imagem para hounds of love film
Roberto Rillo Bíscaro

Com os olhos ainda não lavados, porque acabara de despertar e apenas pegara o celular pra fazer a vistoria dos sites diariamente acessados antes mesmo de levantar, atraiu-me a expressão Hounds Of Love na manchete do The Guardian. Pensei que fosse sobre o álbum de 1985 de Kate Bush, por isso, fui ao banheiro lavar os olhos pra poder botar os óculos e ler sem franzir a cara.
O Hounds Of Love do título era o filme deste ano do roteirista e diretor australiano estreante Ben Young, que tem feito sucesso em festivais e atraído atenção da crítica especializada. Os elogios justificam-se: sem mostrar violência explícita, a película tem cinematografia crua e mostra perturbador estudo psicológico sobre um amor bandido, com atuações de arrepiar.
Nos anos 80, um casal sequestra garotas em Perth para que o marido se divirta violentando-as, matando-as e enterrando nas vastas florestas australianas. Oito entre dez fitas que assisto daquele país têm imagens feitas por drones sobrevoando matas de eucaliptos (acho; não entendo nada de plantas. Só conheço bananeira e olhe la!) cortadas por uma estrada.
A vítima da vez é a adolescente Vicki Maloney, fruto de lar desfeito e que escapole da supervisão materna uma noite pra ir a uma festa. Somando a esse deslize, ela aceita carona dos simpáticos estranhos John e Evelyn White, fuma baseado e consome álcool na casa deles. Como em filmes de horror e thrillers, menina que faz “coisa errada” se ferra, a bebida tem remédio pra dormir e quando Vicki desperta está amarrada a uma cama, sob o jugo do psicopata e sua esposa cega de paixão.
O diferencial do roteiro de Young é a construção de Evelyn, atormentada entre saber que faz algo errado, inconscientemente perceber que o amor por John é unilateral, mas ser tão viciada no cara, que persiste no relacionamento abusivo. Sabe aquele dito bem vulgar, “amor de pica, fica”? Sei lá se tem equivalente na cultura australiana, mas quando Evelyn ajoelha em frente a John, não pra rezar, me veio à cabeça na hora. Vicki poderá ser o elemento perturbador dessa zona de conforto desconfortável do casal.
Boa parte de Hounds Of Love é lenta, porque constrói as tensões psicológicas, mas o terço final é de roer unhas. Além disso, como no melhor horror, abre-se pra discussões muito calcadas no cotidiano, como a maneira como a sociedade julga uma mulher que decidiu abandonar o marido e não o contrário. É o caso de como a mãe de Vicki é tratada quando reporta o sumiço da filha.
Jasons e Freddies não incomodam, porque são ostensivamente mentira, mas o material de que é feito Hounds Of Love é bem concreto. E consegue isso tudo sem mostrar nada gráfico. Os abusos são sugeridos por portas fechadas, pulsos machucados e manchas de sangue no chão (se você é tão amante de cachorríneos, que até isso te faria chorar, evite).
Há quem equipare essa estreia ao igualmente estreante/australiano The Babadook (2014). Exagero, porque, tirante os segundos finais, o filme de Jennifer Kent é uma das coisas mais arrasantes que vi no gênero em anos. Mas, Hounds Of Love não fica muito atrás. Coincidentemente, o final também não me convenceu tanto, mas deixo isso pra você decidir e comentar no blog.

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