terça-feira, 29 de abril de 2014

TELINHA QUENTE 118


Roberto Rillo Bíscaro

Numa de suas autobiografias, o ator Michael Caine conta que nos anos 1960 Londres começava a se modernizar e informalizar. Alguns restaurantes desobrigaram clientes do uso da gravata e fechavam mais tarde. Graças ao sucesso duma rádio pirata, a sisuda BBC1 teve que abrir as pernas e tocar rock.  Os Beatles/Rolling Stones revolucionavam a música. Era o balanço da Swinging London.
A TV não ficou atrás e em 1967 chacoalhou a narrativa televisiva com The Prisoner, produzida pela ITC (hoje, ITV). Famosa pelas inúmeras teorias suscitadas devido à nebulosidade da trama e pela lealdade dos fãs através das décadas, obriguei-me a ver os 17 episódios da única temporada.
A premissa é dada na longa abertura: um agente secreto se demite e é capturado não se sabe por quem (o mundo era então dividido entre EUA e URSS). Desperta numa aldeia, paradisíaca, limpa, organizada, um sonho. Mas, nessa aparente utopia, os nomes foram substituídos por números, os indivíduos tiveram que se dissolver em nome do grupo, ou, antes, de uma força tirânica que os subjuga sem que percebam. Todos são vigiados ininterruptamente, tudo é planejado pra substituir a vontade própria. Lembrar um mundo que conhecemos, né?
O ex-agente é batizado de Número 6 e passa a série toda tentando escapar e evitando responder à questão: “por que você se demitiu?” Com recursos aparentemente ilimitados à disposição, os comandantes da Vila poderiam facilmente capturar peixe mais graúdo no contexto da Guerra Fria, que seria bem mais fácil!
Abundante em referências orwellianas, kafkianas, cenas remetentes à Alice no País das Maravilhas (um grande jogo de xadrez humano) e tenteando temas como controle da mente, lavagem cerebral, manipulação de sonhos, troca de personalidades, hipnose, tudo maquiando incessante tortura psicológica, não admira que The Prisoner tenha se tornado cult e influenciado roteiristas mil.
Essa afirmação ferrenha da individualidade indubitavelmente flexibilizou as formas da telinha, mas não me foi tão agradável vê-la. Muitos capítulos sem pé nem cabeça, os últimos 2, com sua lisergia onírica, soam pretensiosos e, no fim das contas, tudo muito chato pro meu gosto.
Não engrossei as fileiras de cultuadores.

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