segunda-feira, 5 de novembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 338


Roberto Rillo Bíscaro

Desde os Segundos Verões do Amor (o de 1988 e 9 são assim denominados por não poucos), a cena britânica da música eletrônica tem sido mais criativa que a do rock. Enquanto nos 90’s, o Oasis recopiava maneirismos dos Beatles, moçadinha tipo Underworld fazia electronica com inteligência. Não iniciados chama(va)m tudo de techno, mas artistas como Chemcial Brothers, Aphex Twin e The Prodigy sempre foram bem além da mera repetição bate-estaca pra ficar maluco em rave ou malhar na academia.
Fã da repetição de barulhinhos, do Kraftwerk, percebi que Orbital era coisa fina, quando ouvi o “Álbum Marrom” (1993), na década passada. Claro que a dupla prioriza elementos rítmicos e percussivos, mas não descuida de melodia, harmonia e forma musical. Ainda ouço Orbital 2 regularmente e me entusiasmo com o que conseguiram.
Orbital surgiu em 1989, formado pelos irmãos Paul e Phil Hartnoll. Até o nome é associado à subcultura das raves, nascida com a acid house. O nome oficial da rodovia M25 é Grande Via Orbital de Londres, e era ao longo dela que ocorriam as diversas festas (legais e ilegais) frequentadas pelos irmãos Hartnoll no final dos anos 80.
Paul e Phil produziram gente como Bjork; viraram queridinhos da crítica; popularizaram a música eletrônica através da inserção de suas canções em trilhas de filmes, comerciais e games.
A partir de 2004, sua história ficou chata de narrar, porque é um tal de acaba e retorna, que enche os pacová. Suficiente dizer, que dia 14 de setembro, os mano Hartnoll lançaram seu nono álbum de estúdio, o primeiro em meia dúzia de anos. A edição convencional tem 9 faixas, mas no Spotify só tem a deluxe, com 17. Ainda que 84 minutos de electronica instrumental possam ser overdose pra neófitos, pra fãs, Monsters Exist matam a fome.
Desistindo do formato das longas canções abrangendo antigos lados inteiros de LPs, o Orbital não passa agora dos 8 minutos. Bom sinal pra desacostumados, porque mais acessível. A qualidade não caiu muito; claro que o período imperial ficou pra trás há tempos, mas o Orbital fez um trabalho bastante rigoroso.
Os monstros existentes no título do álbum e da faixa-título podem ser nossas criações ou mitos trumposos externos; irmãos Hartnoll não fugiram de alusões políticas.
Tudo começa com a excelente faixa-título. Gotas de teclado, sucedidas por baixo lúgubre e percussão eletrônica seca e marcialmente austera. Momento de certa calma e fluxo continuo de várias melodias nos teclados. Ainda não é o melhor Orbital, mas já inquieta pelo método e rigor.
Hoo Hoo Ha Ha é Orbital no seu mais típico; timbres puláveis, espertos, que brotam e somem e reaparecem ao longo dos concisos 4 minutos, cuja cereja do bolo é uma cômica linha de cornetinha. Aciiiiiiiiiiiiid!
Esse aparecer e reaparecer de estruturas é frequentemente despercebido por detratores da música eletrônica, que a acusam de repetitiva. Há mesmo aquelas que só batem estaca e enchem, mas profissionais como Orbital, netos do Krafftwerk, recheiam seu som de mudanças estruturais, que o ouvinte precisa prestar atenção. Exemplo é a parcialmente saltitável P.H.U.K, que tem baixo rebolante e barulhinhos à Pocket Calculator. Os já na meia-idade netos ingleses aprenderam muito bem com o vô germano a fazer soar igual, apresentando alterações sutis, que tornam esses 7:25 minutos quase frustrantes, porque a faixa merecia mais uns dez. Orbital em forma, yeaaaah!
A belezoca Tiny Foldable Cities tem cherim de Daft Punk, mas identidade Orbital. Ideal pra perceber a complexidade desse som: note como por trás de vários timbres cristalinos e agudos, espreita tecladão surdo, grave, ameaçador. Música não precisa ter letra pra contar história.
The End Is Nigh é a coisa mais modernete de Monsters Exist. Óbvio que Phil e Paul não podem/querem mudança radical, afinal, já bateram a casa dos 50. Mas os teclados nessa faixa são totalmente encaixados nos padrões cool da moçada nova que faz techno meio pantanoso. Orbital sem perder sua vibe, mas se adaptando.
Com um título desses, o álbum não podia evitar momentos densos/tensos. The Raid nem parece do duo, com aquele vozeirão à Darth Vader falando coisas deprês; gritos estilizados, discursos inflamados, tudo embalado por moroso instrumental ameaçador, tipo gothic electronica, encharcado por torrentes geladas de teclado sombrio.
Pra provar que são cientificamente sérios e fechar com chave d’ouro, os Hartnolls convidaram o físico britânico Brian Cox (xará do meu amado ator, sim), que fala durante minutos a fio sobre o fim do universo, de como a vida é fugaz, sobre instrumental que lembra fantasmagoria ambient, às vezes.
Nesses momentos mais lúgubres e “sérios”, Orbital resvala um pouquinho pro comum: qualquer um faria tais faixas. Mas, é a minoria num álbum muito bom.
As 8 faixas-bônus trazem pelo menos uma pérola, Kaiju. Carnaval techno, acessivelmente pop, com mocinha gemendo e vocalizando por trás do bate-cabelo. Tudo.
Não há nada de realmente brilhante, mas quem curte barulhinhos eletrônicos vai se regozijar com a dançabilidade superbem editada de To Dream Again e números mais lentos, mas igualmente criativos com relação ao uso de efeitos e synths, como Anallogue Test Oct 16 e Fun With The system, cujos próprios títulos sugerem que os irmãos testavam possibilidades, sonidos e timbres, por isso o caráter bônus das canções.
Embora bela, supérfluo apenas o minuto e pouco de A Long Way From Home, cuja acusticidade de violão combina mais com Steve Hackett do que com o Orbital.
Com relação ao álbum oficial há duas referências: a versão sem falação, de There Will Come a Time, que, infelizmente não é toda composta pela fantasmagoria melancólica dos momentos iniciais e Tiny Foldable Cities (Kareful Remix), que altera para mais convencional a canção. Não acrescenta nada.
Orbital não mais tem poder pra estabelecer tendência, mas Monsters Exist é acima de decente. Pra iniciantes em electronica, ótima pedida: comece pela maior acessibilidade das faixas menores desse álbum e depois procure as longas gemas preciosas dos anos 90 e início dos 00.

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