terça-feira, 6 de novembro de 2018

TELINHA QUENTE 334

Roberto Rillo Bíscaro

Em meados do ano passado, pesquisa revelou que o Partido Democrata sueco tinha alcançado cerca de 24% das intenções de voto numa possível eleição. Conservadora anti-imigração, a agremiação já obtivera bom desempenho no pleito de 2014, o que serviu de inspiração pra minissérie Blå ögon, traduzida para o inglês como Blue Eyes, quando exibida na Inglaterra pelo More 4, subdivisão do Channel 4.
Os 10 capítulos desse thriller político apresentam o mal-estar do Estado do Bem-Estar sueco, com sua escalada de xenofobia, antissemitismo e homofobia à medida que a política multicultural do reino aprova a entrada de mais e mais imigrantes e refugiados. Em 2016, o dinamarquês Kim Bodnia afirmou a um site israelense que um dos motivos pelos quais largou Bron/Broen foi o antissemitismo que enfrentava, quando tinha que gravar na sueca Malmo.
Blå ögon começa com 2 tramas paralelas, que no final se cruzam em desfecho desanimador, que não deixa espaço pra surpresa pelo crescimento dos Democratas, representados pelo ficcional Security Party, que, com sua ideologia nacionalista, atrai gente muito mais extremista, que quer “purificar” a Suécia através de porrada e bomba. E a isso que aludem os Olhos Azuis do título.
Elin Hammar é jovem burocrata que retorna a seu posto de chefe de gabinete do ministro Gunnar Elvestad, mas logo percebe que sua antecessora havia se dado muito mal por alguma tramoia de alto escalão. Durante boa parte do tempo, essa é a trama menos interessante, porque a transformação da desencantada e furiosa jovem Sofia Nilsson em extremista de direita é bem mais movimentada e fascinante.
Agredida pelo ex-marido e se sentindo injustiçada por ralar tanto, Sofia só precisava dum empurrão pra radicalizar. Isso acontece, quando sua mãe – membro menor do Security Party (em sueco, Trygghetspartiet) – e assassinada, no mesmo dia em que profere discurso conservador. A partir de então, Sofia e o irmão Simon envolvem-se com turma da pesada, que começa com o discursinho típico: eliminar os desonestos, aproveitadores e corruptores do sistema, tipo quem lucra com a queda na qualidade no serviço de proteção aos idosos ou pedófilos. Mas, como sempre, os alvos passam a ser qualquer um de que não gostem, inclusive suecos, também de olhos azuis.
Sem proferir palestra, Blå ögon coloca na construção das personagens e em dados da trama, algumas das contradições de membros do grupo. Filhinho de papai que diz odiar o capitalismo; membro de partido supremacista soft que é filho de imigrante e tem pele bem menos alva que seus companheiros loirérrimos.
Preocupada em elaborar porque ideologias eugenistas podem se tornar atraentes numa sociedade que se percebe em decadência devido ao influxo de muita diferença, Blå ögon não se dedica a nem pelo menos tocar de leve nos motivos que levam tantos a quererem se refugiar na afluente Suécia. Será que os países desenvolvidos são apenas “vítimas indefesas” do processo?
A percepção do cidadão comum, incapaz de entender a complexidade dum mundo globalizado, está competentemente representada e a culminação da trama de Elin, que descobre grande trapaça governamental, enevoa ainda mais alguma possibilidade de compreensão.
Blå ögon nem de longe é otimista ou redentora, mas seu clima não é o sombrio do Nordic Noir. É uma história bem contada, com suspense, que mostra uma Suécia ainda limpa e lindíssima, mas confusa pelo medo, com mulher que leva porrada do ex. Tipo, há algo de podre nesse reino de cartão postal. 

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