quinta-feira, 15 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 262



Roberto Rillo Bíscaro

Preste bem atenção à sequência inicial de Thelma (2017), adicionado ao catálogo da Netflix recentemente. É algo perturbadora, mas prenhe de promessas de reviravolta e estranheza.
Dirigido por Joachim Trier e escrito por ele e Eskil Vogt, Thelma discretamente assombra em diversos níveis. Logo após a inquietante abertura de pai e filha caçando (geralmente é sempre pai e filho...) no gelado interior norueguês, há salto temporal e a guria já está na universidade, em Oslo. De família cristã tradicional, daquelas que não bebe, não fuma e sequer gosta que se insinue crítica a outrem, a jovem vive controlada pelos pais, mesmo distantes.
Quando a futura bióloga (imagine, numa família que provavelmente leva a Bíblia ao pé da letra), conhece a linda Anja e desejos inconfessáveis afloram, Thelma começa a experimentar convulsões parecidas com a de epiléticos. Também começamos a ver cenas de flashback e a supervisão asfixiante dos pais começa a tomar outro sentido. Thelma, a moça, tem tanta repressão, que seu cérebro parece que materializa coisas. Mas, não dá pra falar demais sobre o enredo.
De modo redutor, Thelma, o filme, é uma espécie de Carrie, a Estranha, versão lésbica. De Palma e seu mestre Hitchcock certamente inspiraram cenas, como a do primeiro avanço erótico de Anja sobre Thelma, a moça, na linda ópera de Oslo, enquanto viam um balé muito corpóreo.
Com suas imagens clean, o filme está em constante convulsão formal, totalmente disfarçada de calma e contenção narrativas, como no enredo que é fogo sobre gelo. Repare como o ponto de vista da câmera se desloca o tempo todo, entre visões micro de caras e coisas, pra de repente, virar macro, numa fachada de edifício ou panorâmica, onde transeuntes parecem insetos. É como se inconscientemente, toda a narrativa apresentasse os flashes de claro-escuro, que o psiquiatra a certa altura usa pra induzir um surto em Thelma (epiléticos, cuidado: tive que fechar os olhos por causa da fotofobia, de tão desagradável que é). E quem viu O Exorcista não desperceberá a semelhança das cenas.
Não confundam a citada convulsão formal com velocidade de edição. Thelma parecerá lento demais aos viciados em ação. Na verdade, o roteiro é um pouco reprimido como a repressão que quer criticar.

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