terça-feira, 23 de outubro de 2018

TELINHA QUENTE 332

Roberto Rillo Bíscaro

Série policial escandinava que não seja lúgubre, escurecida e esfriada por céus cinza, chuva e neve, com detetive deprimido(a), usando sempre a mesma roupa pode soar alienígena pra espectadores apenas dos sucessos planetários, como Wallander,  Forbrydelsen ou Bron/Broen.
Claro que os milhões de leitores do Albino Incoerente sabem de séries destoantes desse estereótipo, como Irene Huss ou Arne Dahl. Hoje é dia de conhecer outra: Dicte. A TV2 Danmark exibiu a trintena de episódios, divididos em 3 temporadas de 10 capítulos cada, entre 2013 e 2016.
Baseada nos romances de Elsebeth Egholm, Dicte é sobre a personagem-título, jornalista que retorna a sua nativa Aarhus após o divórcio. Um dos predicados da série é fugir da capital Copenhague. Com área metropolitana de mais de 300 mil habitantes, a fofa cidade é o centro econômico da Jutlândia. Essa teteia limpa, porém, esconde crimes envolvendo imigrantes, drogas e muita desdita familiar e pessoal.
Dicte Svendsen começa a trabalhar num dos diários locais, escrevendo pra seção policial. Como toda boa protagonista de série policial, os corpos não param de aparecer onde quer que esteja e praticamente todos seus amigos e familiares ficarão em perigo ou morrerão uma hora ou outra. Esse é o alerta pra quando você for fazer amizades: certifique-se de que a pessoa não seja protagonista de programa de detetive, senão, você tem sérias chances de se estrepar, especialmente se não for melhor amigo.
Dicte vive relação de cooperação e turras com John Wagner, mas sem sugestão de relacionamento afetivo. Como boa parte das séries atuais, não há muito mais espaço praqueles detetives amadores congelados num eterno presente, tipo Jessica Fletcher. Hoje, paralelamente às investigações, conhecemos e nos importamos com a vida pessoal dos sherlockes, em tramas que perpassam capítulos, temporadas. Nos seriados mais antigos, havia um sobrinho recorrente ou algo do gênero, mas quase nunca vida pessoal que durasse mais do que menção a uma festa ou congênere.
Em Dicte, os 30 capítulos também contam o desenrolar de sua vida desde que retorna a Aarhus, donde saíra não apenas devido ao casamento com Torsten, mas pra fugir da dor provocada pelos pais Testemunhas de Jeová, que lhe impuseram cruel escolha, quando tinha apenas 16 anos.
Assim, se cada caso ocupa 2 episódios, cada vez mais parte desse tempo é ocupada pelo drama (no sentido de oposto de cômico), que adiciona parentes recuperados, amigos que se envolvem com os primeiros, numa vibe bem dinamarquesa de aborto mencionado como escolha perfeitamente natural. Daria pra argumentar até que Dicte desova tanto conteúdo interpessoal da personagem na história, que os casos por vezes parecem esquemáticos. Porque, no fundo do coração, Dicte daria adulta e inteligente série dramática de mão cheia.
As personagens são bastante gostáveis e pra estrangeiros a reclamação de que o sotaque regional de alguns atores está caricato não faz a menor diferença, então dá pra amar Dicte, ver que Torsten é muito legal e ficar passado com o espetacular início da temporada 3, que me fez ficar acordado até bem mais de 2 da manhã, porque houve reviravolta de 180 graus. Mas, ficou faltando coisa depois disso, e fico feliz que essa seja a temporada derradeira.
Dicte não é obra-prima em nenhum dos subgêneros em que navega e se sai melhor no quesito drama do que no marketado policial, mas é uma delícia de assistir. Pena que nossa Netflix não a possua em seu catálogo. Se eu fosse você e gostasse de sair do circuito ianque de séries de vez em quando, começaria agora a bombardear o serviço de streaming pra que adquirisse os direitos pra América Latina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário