quarta-feira, 11 de abril de 2012

CONTANDO A VIDA 76

Hoje, publico um texto escrito há um par de anos por nosso cronista alegre. Ele revela duas coisas: o segredo de envelhecer bem e a data de seu aniversário!


CONFIDÊNCIAS FILOSÓFICAS DE UM VIUVO FRENTE SEU ANIVERSÁRIO


José Carlos Sebe Bom Meihy

Para meus filhos

Nunca entendi bem esta história de monotonia, rotina, apatia. Não me acho agitado, mas não resisto à multiplicação de oportunidades que nos seduzem propondo ires e vires. Hoje temos tantos atrativos, tantos, que algo de muito errado acontece com quem não exercita a vida na plenitude da modernidade. Uma das virtudes gratas de nosso tempo é que nunca, como agora, foi possível viajar tão facilmente, aprender com recursos próximos, nos comunicar até mesmo sem sair de casa. É lógico que respeito quantos não vêem o mundo como lócus excitante e preferem a reclusão em si e, na impossibilidade de participar, se fecham. Vendo por outro lado, chego a pensar que os crentes na reencarnação reconhecem que uma existência só é pouco. Gente, há tanta coisa para se ver, ouvir, comer, visitar, experimentar que, recusar tanto apelo é confirmação de que depressão é doença. E apenas nesse caso a considero, mas mesmo assim como atalho para saídas possíveis.
Vou fazer 65 anos. Idade grave, creiam. Tenho um pedaço de caminho vivenciado e ainda me restam algumas léguas à frente. Isso me faz meditar sobre os projetos futuros, mas, pergunto-me: que são eles sem a experiência do passado? Sou de uma geração que consagrou em 1967, naquele III Festival da Canção, as palavras de Geraldo Vandré “com a certeza na frente, a história na mão”, e, em mim, não há como descrer que o pretérito se faz leito de rio caudaloso como os que se deságuam em porvir oceânico. Metáfora perfeita da vida, a fonte, ganhar margens e vencer obstáculos é sínese do existir. Temos, porém, que ser conscientes e para isso é preciso refletir, levar em conta os momentos significativos de nossas histórias pessoais. Ortega y Gasset gostava de se valer, referindo-se ao presente, a expressão “altura dos tempos”. Empresto do importante filósofo espanhol, legítimo representante do que de melhor a generación del 98 produziu, as mesmas palavras para dizer que contemplando minha vida hoje, considero com alguma nitidez acertos e erros. E arrolo mais satisfação do que mágoas. Devo, aliás, contar que no ressentimento reside o pior dos inimigos da vida e que o antídoto disso é a alegria, única razão permanente da manutenção da vida. “Fazer tudo com alegria” determinava Montaigne e José Mindlin acata como o grande segredo da subsistência. Se isso é verdade, sou uma pessoa feliz. Pelo menos, feliz nos limites de um mundo paradoxal como o nosso. Não consigo fazer nada bem executado se não houver alguma exultação. A alegria é a minha alma.
Há, porém uma contradição maldita entre o acervo de plenitudes angariadas vida afora e a resistência física determinada pela finitude biológica. Quanto mais vivo, mais quero viver; quanto mais aprendo, mais vejo que resta saber; quando mais conheço, maiores se mostram os espaços a serem descobertos. Mas, fatalmente, vem o contrário: o corpo. Se a experiência rejuvenesce, os tecidos, os músculos, o cabelo ralo, denunciam renúncias orgânicas. E esse é o problema na altura do resto de meus dias. Se fazer 65 anos impõe perguntar quais os momentos capitais de minha vida? Em sendo muitos, quais gostaria de salientar? Mesmo preferindo o silêncio ou “apagamento” dos instantes árduos – e foram tantos! – de um, curiosamente não consigo fugir, até por explicador de minha trajetória: a morte da pessoa amada. Sim, tive que me confrontar com essa fatalidade que se desdobrou em duas fases: imediatamente e depois de ter aceito a tal sinistra sina. Acho que envelhecer sem estar perto de quem lhe foi promessa de companhia é algo danado de ruim. Mas, por outro lado, a história pessoal impôs continuidades e elas arrastaram para escolhas. Resolver que a vida continuava me foi convite aberto ao ativismo comprometido na vida de pai e professor. Descobrir – ou redescobrir – nos outros o que os franceses chamam de “raison d’etre” foi mais do que um segredo. Repartir a carga amorosa roubada pelo destino e espalha-la para amigos, companheiros de trabalho e principalmente para familiares e entes próximos me foi como retraçar o mapa da felicidade possível. E, se mistério eu tenho, é explicar minha condição humana na busca da alegria. E termino com a confirmação dada por Vinicius de Moraes e Baden Powell na nascente da bossa nova “é melhor ser alegre que ser triste/Alegria é a melhor coisa que existe/É assim como a luz no coração”. Ah! meu aniversário é dia 15 de março.

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