quarta-feira, 4 de abril de 2012

CONTANDO A VIDA 75

Nosso cosmocronista está justamente indignado com a caipirice de certos brasileiros, admiradores sem restrição de tudo que é estrangeiro, enquanto desconhecedores das coisas d’aqui.  

 BIBLIOTECA NACIONAL – “O Brazil não conhece o Brasil”.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Por vezes, fico consternado quando ouço brasileiros enaltecerem exclusivamente o patrimônio histórico e artístico exterior e se vangloriarem ad nauseam de passagens pelo Prado, Louvre, Museu Britânico, pelo Metropolitan em Nova York. Por lógico, celebro e me rejubilo pela cultura universal e até me julgo mesmo cidadão do mundo, mas não deixo de reverenciar as coisas boas que temos. E como as temos. Nutro, pois, indignações quando penso em amigos que conhecem museus, arquivos, coleções europeias ou norte-americanas e nunca entraram nos muitos correspondentes nacionais. Chego a visitar os porões do constrangimento quando constato a completa ignorância de tantos que enchem a boca ao falar de “lá” esquecendo que temos um “cá”. Esforço-me por compreender razões e só assim caminho para alguma clemência. O que me perturba na verdade é que temos sobejamente o que mostrar. Ah! Como temos...

Em São Paulo, além do MASP, com coleção exemplar de pintura europeia, norte e latinoamericana composta principalmente depois da Segunda Guerra Mundial e polemizada pelo nosso Lobato – que era pintor também – possuímos a Pinacoteca do Estado, fabulosa galeria do que de melhor produzimos em termos de pintura e escultura. Na bastasse a coleção, o prédio e os displays são delirantes. Complemento dessas mostras, os museus da USP, a Casa Brasileira, o de Arte Sacra e o acervo apreciável do Museu do Ipiranga, iluminam nosso passado de forma ilustrativa. Isto entre sítios culturais interessantíssimos com monumentos e prédios exemplares. Na Paulicéia, há dois museus interativos que fazem as delícias de jovens e adultos: o da Língua Portuguesa e o do Futebol. Como perder oportunidades de visitas a esses logradouros públicos modernos e acessíveis? Não me parece justo negar de filhos, netos, amigos e parentes o direito de conhecer tais tesouros.

No Rio, situam-se o magnífico Museu Nacional de Belas Artes e o Museu Histórico Nacional, ambos abertos à revelação de patrimônios injustificavelmente ocultos de nossos interesses e registros imediatos. Ambos são muito bem montados e possuem visitas guiadas que ajudam a entender muito do que não é devidamente divulgado, pois ainda persiste a velha política de mostrar apenas a exuberância da natureza carioca e não os interiores de igrejas e prédios históricos. Além desses e de muitos outros espaços culturais, há um lugar que merece destaque nessa lista que se alça mais do que convite, como desafio ao bom gosto: a Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Completando cem anos, num prédio lindo e de fácil acesso (metrô à porta), temos o incrível acervo que qualifica a nossa como a oitava maior Biblioteca Nacional do mundo. É isso mesmo, temos um patrimônio invejável, muito bem cuidado, em salas indescritíveis, com qualidade de atendimento invejável. É injusto não visitarmos tal instituição. É errado tirar de nós mesmos, de amigos e parentes o direito de percorrer corredores e salas tão importantes. Além das séries gerais, há duas seções imperdíveis: a de fotografias e principalmente a de obras raras – esta, aliás, é das mais bonitas do país. Tudo na FBN. No primeiro caso, as séries de fotos feitas pelo nosso segundo imperador, Dom Pedro II, são fabulosas pelo conteúdo, originalidade e principalmente pela conservação. Frente às obras raras possuímos algumas riquezas únicas e cabe avaliar a conservação e o acesso.

Pensando no paradoxo entre o culto às salas estrangeiras e o apagamento do registro nacional me veio à lembrança uma canção de Maurício Tapajós e Aldir Blanc imortalizada na voz de Elis Regina “o Brazil não conhece o Brasil/ o Brasil nunca foi o Brazil” por favor, prestem atenção no jogo da letra “z” e “s” da palavra Brasil. Até parece que essa canção foi escrita para ilustrar o que penso e o que é mais dramático é o final “o Brazil não merece o Brasil/ o Brazil tá matando o Brasil”. Termino pedindo que não me vejam em um acesso nacionalista ou patriótico. Não. Apenas gostaria de assinalar o que é sabido: só se ama o que se conhece.

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