sexta-feira, 25 de novembro de 2011

MULHER NEGRA, PELE BRANCA

Seus pais eram negros, mas ela tem aparência de branca. Kenosha Robinson discorre sobre tentar entender onde ela se encaixa.

(Tradução: Roberto Rillo Bíscaro)


Na minha infância em Jackson, MS, aproximei-me dos brancos. Suponho que tenha me parecido natural, porque eu me parecia com eles. Enquanto minhas primas ganhavam bonecas negras para o Natal, as minhas eram sempre branquinhas. Uma vez, na hora do recreio, uma das garotas negras me disse que eu não podia me juntar ao grupo por causa da cor de minha boneca.

Mais tarde, compreendi que aquilo era para mim e não para a boneca. Como ela, eu era loira de olhos verdes; a única em emio a uma massa de peles marrons. Sou uma afro-americana nascida com uma anomalia genética chamada albinismo, o que significa que não tenho pigmentação em meu corpo. O albinismo é recessivo, então ambos os pais têm que carregar os genes para conceber uma criança albina. É mais comum do que se imagina – uma em cada 17.000 crianças nasce albino. 
Minha mãe tinha apenas 16 anos, quando nasci. Ela fez o que pôde para me defender, mas logo percebi que era diferente. As pessoas me encaravam em qualquer local que fossemos. A gente podia ver o ponto de interrogação no rosto delas: "Ela é sua filha de verdade?”

Papai morreu de pneumonia, quando eu tinha 7 anos. O que mais me lembro dele era o modo como me defendia. Um dia, perguntei a ele:"por que as pessoas vivem olhando para mim?” Ele respondeu: " porque você é linda." 
Mas, nem toda minha família era tão caridosa. A maioria de meus parentes é do Delta do Mississippi, onde brancos e negros ainda vivem separadamente. A ideia de uma amizade com um branco é impensável para os meus parentes. Desse modo, como você acha que eles me tratavam? Do único modo que sabiam: me excluindo e insultando. Eles me chamavam de “menina branca”. Sentia-me como uma traidora da raça.

Os temores de mamãe eram mais práticos: o sol me faria mal se ela me deixasse brincar ao ar livre? A total ausência de melanina na minha pele, significa que não me bronzeio, apenas queimo! Toda vez que íamos a uma reunião familiar ou piquenique da igreja, ela me lambuzava de protetor solar e me fazia usar chapéu. Durante o recreio, tinha que me sentar à sombra. Na quarta série, mamãe escreveu um bilhete para a professora me dispensar de uma atividade ao ar-livre. Mas, eu não entreguei o bilhete e ao invés disso, brinquei o dia inteiro no sol quente. Quando mamãe veio me buscar, ela notou que meu rosto estava vermelho, assim que entrei no carro. Tentei inventar histórias, mas minha cara ficava cada vez mais vermelha e meu corpo se cobria de bolhas. Fiquei tão mal, que não compareci às aulas durante uma semana.

Meus problemas de saúde garantiram que eu jamais fizesse parte da turminha da moda. Eu detestava ter que suar chapéu. Mas, mais que tudo, eu odiava as perguntas sobre meus olhos. Quando uma pessoa nasce albina, ela é geralmente declarada legalmente cega. Embora eu consiga enxergar, tenho nistagmo, que faz com que meus olhos mudem rapidamente de um lado a outro, a fim de acharem um ponto focal. Toda vez que conheço alguém, conto os minutos para o fatídico: "o que há de errado com seus olhos?" 
Os problemas de saúde, porém, não são nada perto de meus problemas com autoestima. Na adolescência, enquanto as colegas estavam lidando com acne e menstruação, eu enfrentava uma crise bem diferente: quem era eu? Uma garota branca com pais negros? Uma garota negra vivendo no corpo de uma branca?

Todos conhecem o tenso passado racial do Mississippi. Embora a Ku Klux Klan não esteja mais em plena forma, Jim Giles concorreu 2 vezes para o senado – ainda que sem sucesso – com uma plataforma baseada na supremacia branca. Brancos e negros raramente se misturam. Estranhamente, eu me sentia como o desconfortável ponto de encontro entre esses 2 grupos. No Ensino Médio, ganhei o respeito de meus colegas brancos pela minha esperteza e respostas rápidas. Fui eleita presidente da classe. Mas, eles também me excluíam socialmente. Quando eu perguntava o que fariam no fim de semana, tentavam me despistar, inventando alguma bobagem que tinham que fazer.

Em outras ocasiões, eles eram abertamente rudes, combinando programas para o fim de semana na minha frente, se me convidar. Minhas amigas negras também eram respeitosas na escola, mas, ao mesmo tempo me evitando no rinque de patinação ou no shopping, especialmente quando meninos estavam por perto.

Nem gosto de me lembrar do pesadelo da formatura de segundo grau. Um negro poderia levar uma branca ao baile, mas, levar a negra que parecia branca era outra história. Um dia, em classe, os negros mais populares me perguntaram quem me levaria. Titubeante, disse que iria sozinha. Ouvi um cochichar: "E quem iria querer levar ela?" No final, acabei ficando em casa. Olhando para trás, não dá para acreditar que eu estava tão intimidada a ponto de não ir a minha formatura.

A certa altura, ocorreu-me que precisava “escolher” minha raça – a vida seria mais fácil se eu me alinhasse a um lado, ao invés de ficar constantemente me explicando a ambos. Escolhi os negros, afinal, compartilhamos uma herança e no Mississippi, existe muito orgulho na comunidade negra. Ainda assim, sentia a necessidade de provar minha negritude. Comecei então a usar gírias e a escutar rap. Eu acreditava que se soubesse letras de canções que falavam sobre dentes de ouro, dinheiro, mulheres e carros, faria parte do gueto.

A despeito de meus esforços, eu continuava sendo confundida com uma branca. Então, eu me juntei a um grupo completamente diferente: os palhaços da classe. Eu me ridicularizava como forma de esvaziar de antemão os comentários alheios. Por exemplo, eu brincava que era branca o suficiente para dizer que estava sendo sequestrada, caso estivesse no carro com meus amigos negros e a polícia nos mandasse parar devido a alta velocidade. No fundo, claro, ainda era a velha história: eu tinha medo de me olhar no espelho.

Quando chegou a época de escolher uma faculdade, cogitei ir para uma predominantemente frequentada por negros. Minha mãe mostrou-se hesitante e, no final, eu também. Ao invés, escolhi

Millsaps, maciçamente branca, onde estou no primeiro ano.

No refeitório, a segregação racial impera: negros e brancos quase nunca comem na mesma mesa. Há alguns meses, alguns estudantes negros apareceram numa festa em uma república de brancos

Eles foram expulsos e xingados de todos os nomes racistas imagináveis. Fiquei furiosa, mesmo que não tenha acontecido comigo. Minha lealdade é para com a comunidade negra. Jamais pisarei naquela casa novamente.

Foi a partir daí que comecei a reclamar minha identidade, usando um tradicional corte de cabelo africano. Eu o altero semanalmente, criando uma nova identidade com cada novo visual. Satisfaz-me saber que, se não posso mudar a cor de minha pele, pelo menos tenho meu cabelo para fazer do meu gosto. 

Minha autoestima está em desenvolvimento. Às vezes, estou conversando com um amigo negro, olho para minha pelee me sinto totalmente exposta, tipo, “sou branca e todo mundo percebe."

Mas, estou me fortalecendo e aprendendo que não tem problema ser Nosha, esta garota sorridente de 75 kg. Mesmo assim, ainda tenho inveja de garotas com lindas peles cor de chocolate ou caramelo.

Meu último namorado me fez sentir especial com relação a meu albinismo. Ele ficava doido por eu ser única e isso me deu muita confiança. O homem com quem eu casar, terá que ser assim. Provavelmente eu queira me casar com um negro – mesmo ciente de que será estranho ter filhos com peles diferentes da minha – e exigirei que ele faça o exame para determinar se carrega o gene do albinismo. Mesmo sendo feliz hoje, não desejo que ninguém passe pelo que passei.

http://www.marieclaire.com/world-reports/news/black-white-skin

Um comentário:

  1. Em cada linha destas histórias vejo minha vida. Talvez eu não tenha tido o apoio necessario durante minha adolescencia ;diriamos que os meus familiares evitassem tocar no assunto :albinismo . Então me perdi um pouquinho .Mas ao ler estas Histórias e conhecer este blog ,conhecer a comunidade o Roberto a Andreza seus irmaos a Miriam e todos os albinos .Minha vida mudou mudou muito ! Agora me respeito muito mais me amo muito mais ... é uma pena que ja estou nos 53 anos ..mas mesmo assim valeu ter encontrado todos estes albinos ...Se eu fosse mais jovem minha vida teria sido outra agora .Miguel José Naufel

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