quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONTANDO A VIDA 59


O professor Sebe tirou esta quarta pra falar de amor, a la historiador.

A INVENÇÃO DO AMOR...
José Carlos Sebe Bom Meihy


Bobagem pensar que o amor, na configuração atual, é um sentimento eterno, antigo, imortal e resistente ao futuro. Nada. O que entendemos por essa manifestação é historicamente novo, recente, invenção suscetível à manipulação e até calibrada segundo datas comercialmente programadas. É verdade que a cultura contemporânea em escala global gravita em torno do eixo amoroso, mas isso demanda comentários explicativos. Arrebatador, o sentimento é simbolizado pelo coração, pela cor vermelha, por rosas rubras, sinônimo de realização, plenitude, o mais fino estado de espírito capaz de abranger qualquer ser humano, que, para vivê-lo faria muita coisa.

Afinal, não é fatal o dizer “fulano é mal amado”? O julgamento da felicidade se divide entre os que amam ou não, ou melhor, entre os que são amados ou não, abrangidos por esse sentimento que deve nos acompanhar do berço ao túmulo. Da família aos círculos sociais, do coletivo ao individual, o amor tem que prevalecer. Em nome dele brigas acontecem, lutas e guerras são operadas e casos pessoais ganham dimensão de tramas sociais. Mas, há variações. Em termos de faixas de tempo, cabe reconhecer três de suas mais visíveis formas culturais: o amor trágico; o romântico e o possessivo. Cada um deles com suas especificações e tipologia reconhecidas. Apesar de históricas, as diversas formas não se superam levando uma à inexistência da outra. Pelo contrário, mesmo hoje persistem expressões de amores d’antanho, ainda que de modo geral vivamos o que Bauman chama de “amor líquido”. Antes de avançar, convém saber que o amor varia em expressão e que não é justo supor que os indígenas, os esquimós, chineses ou russos tenham as mesmas qualificações sentimentais. Apenas para informar, o beijo – em qualquer variação – é suscetível a conceitos de higiene, respeito, ou é mesmo desconhecido de certos grupos. Os índios brasileiros, por exemplo, dificilmente aceitam o beijo como manifestação afetiva. Muitos expressam nojo, até. Diversas tribos africanas simplesmente desconhecem o que o cinema hollywoodiano marca como fundamental em qualquer produto. É sabido que o amor individual ou entre casais apenas foi concebido na Idade Média. Medievalistas experimentados são unânimes ao dizer que antes do século XII não havia relação afetiva identificada de pessoa para pessoa. Tudo era mais coletivo, social. Platão, na antiguidade clássica, por exemplo, delegava o trato dos filhos à cidade e não aos pais: disciplina em vez de afetos. O primeiro casal a ganhar dimensão pública por seus sentimentos foi Tristão e Isolda, cuja história variou para lenda. Não é sem razão, pois, que tal história virou caso relatado intermitentemente em livros, poemas, óperas, filmes. O triste caso do cavaleiro Tristão, da Cornualha, e a princesa Isolda, da Irlanda, celebra a impossibilidade de uma atração fatal. Inaugurava-se o que os críticos literários chamam de ciclo trágico-amoroso. O padrão sentimental do romance que não dá certo foi se desdobrando em casos relatados pelos celtas, normandos e cantado em versos pelos jograis, bardos, menestréis propondo modelos que, derivados das posturas senhoriais, indicavam como os súditos deveriam agir. Já no século XIII, esse tipo de comportamento estava perfeitamente sujeito ao modelo do chamado ciclo arturiano e às lendas em torno do Cavaleiro da Távola Redonda, do Rei Arthur. Eram prova do papel do homem galante, que deveria fazer tudo pela causa coletiva e pelo amor da escolhida. Numa escala progressiva, Tristão e Isolda se multiplicam em Lancelote e Genebra e mais tarde chegam a Romeu e Julieta. A literatura tem sido o livro aberto das historias amorosas modelares. Entre tantos autores, sem dúvida Shakespeare é divisor de águas. Além de eternizar os jovens amantes impedidos de viver o amor, também sagrou o drama de Otelo no qual o ciúme funcionava como veneno destruidor do amar pleno. O amor trágico, deu lugar ao romântico no qual o enredo é internalizado nas interdições. Menos do que a tragédia de efeitos coletivos, o amor romântico é o que convidava à renúncia individual, ao abandono, e à infelicidade. Sem dúvida, o melhor exemplo é a Dama das Camélias, escrito por Alexandre Dumas Filho. Este texto ganhou dimensões plurais no teatro, ópera, cinema, chegando inclusive a influênciar o nosso Visconde de Taunay no seu Inocência. Aliás, o mesmo se diz de Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco.

O amor posse, correlato do triunfo capitalista, dá o tom atual ao sentimento amoroso. Trata-se do amor propriedade, da expressão mercadológica do sentimento que, por sua vez, torna-se cada vez mais descartável. É o amor “uso e abuso” de duração utilitária e rápida. Como esquecer o nosso poetinha, Vinicius de Moraes ao reconhecê-lo “infinito enquanto dura”. De toda forma, em qualquer variação, ainda falamos de amor.

Um comentário:

  1. lembrando sempre que o amor é a centelha divina em cada um de nós .Miguel

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