sábado, 24 de julho de 2010

ATOR ALBINO BRASILEIRO

Encontra-se em fase de produção, um telefilme nacional onde um protagonista albino positivo será interpretado por um ator com albinismo. http://www.albinoincoerente.com/2010/06/filme-nacional-com-protagonista-albino.html

O ator selecionado para interpretar Andaluz foi Flávio André Silva, que também é escritor e teve textos publicados no Albino Incoerente (ver os contos da série Alvo Álvaro, publicados em maio e junho). Em março, entrevistei Flávio por ocasião do lançamento de seu livro de poemas A Última Luz de Narciso (http://www.albinoincoerente.com/2010/03/entrevista-com-o-poeta-flavio-andre.html )

Flávio novamente aceitou ser entrevistado para nos contar, em primeira mão, um pouco sobre esse novo estágio em sua carreira artística. Eis o resultado:


1 - Você possui experiência prévia como ator?
Flávio: Sim, entretanto minha pequena experiência se deu no teatro, tanto no palco como nas ruas. Nunca fiz um trabalho para o cinema. A técnica é outra, mas acredito que com o apoio da equipe não terei problemas.

2 - Como surgiu o convite para interpretar o Andaluz? Você fez teste, houve "concorrentes", enfim, conte-nos um pouco do processo.
Flávio: Eu já me candidatei para alguns testes de comerciais, mas não houve retorno. Um dia, minha esposa me avisou sobre um e-mail acerca de um teste para um filme e inicialmente olhei meio incrédulo para aquilo, mas também não perderia nada em me inteirar. "Nunca perca uma oportunidade", repito isso para meus amigos e não poderia deixar de aplicar à minha própria vida. Respondi ao e-mail, trocamos contato, inclusive telefônico. Claudete, a produtora, com sua voz calminha, me explicou algo sobre o projeto e percebi que era de fato sério e decidi que mergulharia nesta história. Marcamos o dia do teste. Pedi a meu chefe para me liberar no horário do almoço (ele também é ator, entende a importância desse tipo de coisa mesmo que ainda seja vaga a possibilidade) e parti no horário acertado. Demorou para que eu chegasse por conta do local ermo em que trabalho (contra-fluxo) e a dificuldade com os ônibus. Um homem de carro me abordou perguntando se eu ia para o teste e apesar de uma gota de receio, me identifiquei, nos apresentamos (era de fato da produção) e fomos até a locação escolhida: uma associação de carroceiros.
Lá encontrei dois conhecidos da comunidade do Orkut (Albinos do meu Brasil): um estava terminando o teste e o outro já o havia feito. Foi um encontro feliz, pois mesmo se eu não passasse sabia que tinham pessoas legais "concorrendo" a este papel/posto.
O teste (sob minha ótica, que fique claro) era composto de algumas fases: a fase de intenções, onde tínhamos de "dar um texto" em várias intenções diferentes (calmo, enraivecido e exaltado, por exemplo). Depois houve a fase de expressão corporal, onde tínhamos de fazer um trajeto puxando uma carroça de sucata, seguindo as orientações e intenções do diretor. Tive ainda a oportunidade de interagir com a atriz canina do filme e posso afirmar que é linda e que foi muito legal.
Voltei para casa otimista e decidi não pensar mais nisto até que fizessem novo contato.
Fracassei na parte de não pensar no assunto, mas passei no teste! Isso representa muito para mim. Será mais uma realização pessoal/profissional cumprida, e é algo que promete ser um abrir de portas ou ainda um primeiro degrau para minha vida artística. Estou muito feliz e minha esposa também.

3 - Como você definiria o Andaluz para que nossos leitores conheçam um pouquinho dele, em primeira mão?
Flávio: Estou construindo aos poucos minha visão sobre o personagem, mas posso dizer que é alguém que não tem a vida fácil. Tem quem o ajude, é verdade, mas isso só abranda e não exclui suas dificuldades diárias. Andaluz é um catador de sucata, um carroceiro, um homem em busca de si mesmo. Atento ao que o cerca, tímido, mas obstinado. Não sei ainda até onde posso falar, portanto deixo essa quase-lacuna para vocês. Termino apenas dizendo que, apesar de estar sempre à margem, ele é incontestavelmente carismático.

4 - Como você está se preparando para o papel?
Flávio: Estou procurando em fontes pela internet sobre o cotidiano dos carroceiros através de reportagens, imagens e vídeos. Também já me flagrei parado numa calçada, observando atento um senhor arrastando sua carroça e fazendo seu trabalho, me vi calculando o ritmo daqueles passos, o movimento daqueles braços e o modo como abaixava para pegar os objetos pelo caminho... A observação é uma das maiores ferramentas do ator e pretendo usar muito dela embasada nos materiais já citados e nas conversas com o diretor para não acabar caindo na imitação e sim na criação de algo condizente com esse universo praticamente invisível.

5 - Você será muito provavelmente, o primeiro ator albino a interpretar um protagonista albino positivo! Isso pesa?
Flávio: Com certeza. Não tenho a menor sombra de dúvida de que esse detalhe (como se pudesse separar apenas como detalhe...) é de vital importância para a veracidade do projeto, pois não preciso fingir enxergar mal ou sofrer com as agruras do sol ou ainda saber como é passar por algum exemplo de preconceito - velado ou não. O roteiro dá margem para a evidência dessas características

6 - Crê que sua fotofobia e/ou limitação visual serão problemas? Tem havido discussões acerca disso com o diretor e equipe de produção?
Flávio: Existem duas maneiras de responder a essa pergunta; em relação à montagem e em relação à trama, mas ambas se entrelaçam, então vou tentar responder ambas:
Não acredito que isso vá ocorrer e mesmo se ocorrer será usado como material de estudo, uma vez que é um problema não só meu, mas de todas as pessoas com albinismo (mesmo que se apresente com intensidades diferentes em cada caso) e o Andaluz não está alheio a isto, ele tem fotofobia e claras limitações visuais. Estamos no mesmo barco, ator e personagem.
Quanto às discussões com a equipe: é claro que ocorrem conversas corriqueiras a respeito das características inerentes a nós, albinos, porque uma coisa é ler algo a respeito e outra é ver isso na prática. Tenho 12 graus de distúrbios na vista (9 de miopia¹ e 3 de astigmatismo², além de um nistagmo³ acentuado), é indubitável que depois de algum tempo de convivência, as pessoas perguntem a respeito e queiram conhecer meus limites visuais. Nunca tive problemas em falar a respeito, até porque acho importante que as pessoas que nos cercam tenham a consciência de até onde podem nos cobrar para, dentre outras coisas, evitar situações embaraçosas, mas acredito também que não é uma coisa que se deve chegar e dizer, deve haver espaço e contexto.

7 - Você é casado, tem emprego, publicou livro, vai fazer filme. O fato de se aceitar como albino influencia todo esse sucesso?
Flávio: É muito interessante ouvir dizer que nossa vida é um "sucesso". Sinto-me tão normal (no tocante às atividades cotidianas daqueles que me cercam), mas é assim:
Demorou muito tempo para que me aceitasse como albino e mais tempo ainda para entender as coisas a partir daí. Acontece que sempre tive pessoas a minha volta que mostravam que não havia muitos motivos reais para me depreciar ou me sentir mal. Sempre me envolvi com arte e criação, escrevendo, desenhando, participando de teatro-escola, teatro-religioso até montar minha primeira banda e me envolver com a música. Daí, iniciei no teatro como estudo para aprimorar minha desenvoltura no palco quando viesse a fazer shows (fiz alguns poucos) e também porque havia decidido que se era para as pessoas olharem para mim, que fosse por algo que eu estivesse fazendo e não apenas por ser albino. Partindo deste princípio, nunca mais tive problemas com olhares e opiniões (destrutivas) alheias. Posso dizer que sou homem, ator, escritor, poeta, marido, auxiliar administrativo, estudante e só então albino. Entendam que não é ignorar o fato, é não deixar que essa característica paute minha vida e sim que faça parte dela.

8 - Sei que pode soar meio pretensioso, mas você poderia deixar uma mensagem aos albinos que tenham auto-estima danificada? Na verdade, para todas as pessoas que tenham auto estima prejudicada.
Flávio: Parti do princípio de sermos mais que corpos, somos reflexos de nossas ações. Aprendi uma frase atualmente com um amigo no trabalho: "Se continuar fazendo o que está fazendo, você continuará onde está" e descobri ser a mais pura verdade. Se você se acha diferente dos demais e não faz nada para mudar isso,ou seja, continua fazendo o que tem feito, continuará a se achar diferente até se convencer de que isso é uma verdade absoluta e ponto final. Lá se foi uma possibilidade de sucesso pessoal. Mas, se você se acha diferente e decide mostrar a si mesmo e aos demais que essa diferença é positiva, então o universo vai conspirar e o que era água vai virar vinho. Não será logo, mas gradual e a cada pequena mudança o prazer vai se intensificar e motivar a não se render ao comodismo.
Vale lembrar que sucesso é definido pelo que cada um acredita que seja importante para si e que não é preciso realizações públicas para ser uma pessoa de sucesso.
Nascemos para o movimento, então por que ficar parado e deixar a vida passar? Levante e acompanhe os passos dela! Corra, pule, grite, apenas não se renda!


1 Miopia: ou hipometropia é a dificuldade de enxergar à distância
2 Astigmatismo: é a dificuldade de focar a imagem que se vê.
3 Nistagmo: são oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou ambos os olhos em algumas ou todas as posições de mirada.

(Um pouco de pop em espanhol, com Flávio Rodriguez, xará de nosso ator albino.)

4 comentários:

  1. Roberto, Aqui quem escreve são as suas primas de São Paulo, Mariza Biscaro e Maria Elisia filhas do tio José Biscaro (Zéca), irmão do seu pai.
    Acessamos o seu blog e vimos suas matérias e achamos maravilhosas, e te desejamos felicidades e sucesso.

    - vivianemeyer@terra.com.br -

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  2. Olá Roberto, tudo bem , legal meu filho Igor interpretar para o Projeto Andaluz o Flavio pequeno na sua idade de 8 anos, estava pesquisando sobre ele e descobri aqui em seu blog.

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  3. Oi Roberto. Só tenho comentários elogiosos a respeito do Flavio. Antes do início das gravações passamos, ele e eu, algumas semanas em processo de conhecimento e recriação do personagem, desenhando um gráfico sobre o desenvolvimento do protagonista ao longo da história e esmiuçando seus gestos e expressões corporais. Após isso foi a vez de Eduardo Silva e sua assistente Maíra Chasseraux mergulharem em um trabalho de mesa muito competente com Flavio.
    Durante as filmagens, Flavio sempre foi muito pontual e sensível. Foi um prazer trabalhar com ele assim como com todo elenco e equipe.
    Abraço e sucesso!

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  4. Nossa, adorei o filme. É emoção à flor da pele, do começo ao fim. O Flavio é maravilhosamente cândido e sensível. Espero ver o Flavio em outras produções. O Brasil tem grandes artistas. O Flavio é um deles. Parabéns a todos os que deram vida a essa joia de momento da realidade do brasileiro comum. Em suma, excelente! (Danailee)

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