quinta-feira, 21 de setembro de 2017

TELONA QUENTE 203


Roberto Rillo Bíscaro

A dupla formada pelo diretor israelense Eran Riklis e pelo roteirista de origem árabe Sayed Kashua já foi bastante elogiada no blog por produzir excelências como A Noiva Síria e The Lemmon Tree. De The Human Resources Manager gostei menos, embora não seja ruim. Mas, parece que o forte do duo bicultural é tematizar o imbróglio permanente entre árabes e judeus.
Outra prova disso é Os Árabes Também Dançam (2015), que mostra como é duro ser minoria étnica numa nação sempre envolvida em conflitos. O filme começa com a informação de que 20% da população israelense é de origem árabe. Se já é difícil em época “de paz”, imagine nos anos 80 e primeira metade dos 90, quando as rusgas viraram guerras declaradas, contra o Líbano e o Iraque. É esse o período da infância e juventude de Eyad, brilhante menino árabe, que cresce em Israel, em meio a sua família e comunidade árabe torcendo pra que os judeus sejam trucidados. Na hora de ir pra universidade, Eyad consegue vaga na mais prestigiosa de Jerusalém, onde os judeus não acertam pronunciar seu nome, a polícia o para a 3 por 2 pedindo documentos, é confrontado por racismo e desconfiança em toda parte e se dá conta de que sendo árabe terá dificuldade até pra conseguir um simples emprego como garçom. Lavador de prato, tudo bem, afinal, fica escondido da freguesia, mas a coisa muda de figura se for pra atender o público. Numa situação dessas, seria viável um relacionamento amoroso bi-étnico? Porque Eyad se apaixona – e é correspondido por Naomi, uma judia. Mas, Os Árabes Também Dançam não é um Romeu e Julieta transportado pro Oriente Médio.
Eyad desenvolve sólida amizade com Yonatan, jovem condenado a morrer cedo, porque tem a degenerativa distrofia muscular. Em vista de tantos obstáculos pra desenvolver suas muitas potencialidades, Eyad aos poucos transforma sua identidade e aí reside o foco da película. Antes de proferir julgamento moral sobre se o que o jovem faz é certo ou errado, Riklis e Kashua montam minucioso panorama da atmosfera opressiva circundando Eyad pra que entendamos porque ele toma a decisão. Subjugado por uma condição sócio-histórica que existe há séculos e envolve tantos atores poderosos e armados até os dentes, dá pra culpar o indivíduo Eyad por tentar levar existência mais tranquila e capaz de fazer com que suas potencialidades possam desabrochar ao máximo?
O preço da minúcia em nos mostrar a pressão sofrida por um membro da minoria étnica é que tudo o mais no roteiro fique esgarçado. Jamais aprenderemos as consequências da escolha de Eyad, seja em nível pessoal, seja familiar. Mas, o recorte a que o roteiro se propôs é tão bem-feito, que a narrativa já vale pela exploração dos caminhos conducentes à decisão do jovem.

Embora não conduzidas de modo melodramático, as histórias de Os Árabes Também Dançam são de uma tristeza descomunal. Atente pra insistência no clássico deprê da Joy Division, Love Will Tear Us Apart, que pontua alguns momentos das vidas dessas personagens obrigadas a abrirem mão de partes essenciais de suas vidas, por causa de fatalidades ou irredutivismos sociais. Além disso, o fato de um cineasta judeu representar a dureza prum árabe crescer em Israel fala volumes sobre a situação.

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