quarta-feira, 5 de novembro de 2014

CONTANDO A VIDA 86

Nosso historiador-cronista continua suas ponderações religiosas, desta feita explicando sobre suas convicções de como é Deus e qual sua religião. 

CATÓLICO, CATÓLICO, GRAÇAS A DEUS?


José Carlos Sebe Bom Meihy



Depois que escrevi sobre o Papa Francisco como meu personagem do ano, recebi comentários de alguns colegas que sempre leem meus textos ainda em primeiras letras. No centro das inquirições, uma chamou atenção e convocou a redação desta crônica. A situação que intrigou os amigos remetia ao fato de não me situar claramente como crente, católico segundo as tradições antigas, tipo “de pai para filho”. A flechada foi profunda, confesso. Uma colega – que eu achava que bem me conhecia – indagou da resistência de minha fé e contratou meu ver com rendição à política. Precisei visitar mares pessoais e em mergulhos profundos tive que, antes de nada mais, me responder. Seria melhor até dizer que foi necessário me reinventar religiosamente, pois o dilema apontado merecia atualizações. Não me basta mais uma reação calcada em valores antigos, em tradições que não responderiam aos nossos novos tempos. Não fugi da luta. Meditei muito e cheguei a alguns pontos que divido com meus caros leitores, não para convencê-los e sim para complementar ideias semeadas anteriormente. Começo por dizer que não me satisfiz nunca com a aquiescência dogmática proposta por uma linha convencional e autoritária da Igreja. Aliás, nem faria sentido aceitar por aceitar. Sou pessoa disposta a aceitar mudanças e essa postura passiva e submissa não combinaria com meus posicionamentos.
Desde que cheguei a este ponto, restou-me detalhar fundamentos requalificados na coerência com valores atuais. E não demorou muito para achar estradas que me levaram a certo conforto. Diria que o começo de meu reencontro comigo mesmo se deu quando busquei a diversidade nos Evangelhos. Sim, comecemos por falar dos Evangelhos em suas diversidades, em pontos de vista. Mesmo que deixando de lado o apaixonante tema dos Textos Apócrifos - apenas lembrando que das 113 versões existentes e deixadas de lado, 52 estão relacionadas ao Antigo Testamento e as restantes, 61 ao Novo -, cabe valorizar a decisão que não os preza por serem posteriores e atentarem para a diminuição do valor divino de Jesus. Pois bem, os quatro Evangelhos dimensionam olhares diferentes, sendo que a percepção aramaica fora defendida por Marcos; a pagã por Lucas, a agnóstica por João e a judaica por Mateus. A diversidade e o respeito às percepções, pois, é elemento integrante da exegese bíblica desde sua constituição. Várias miradas implicam em flexibilizar decisões que se alteraram com o tempo. Vale citar, ainda que de passagem, que a própria Igreja Católica Apostólica Romana tem revisto posições sectárias e que não se enquadram nos padrões do conhecimento moderno. Foi assim com o pedido de perdão aos judeus pela postura dúbia durante a vigência do nazismo; pelo reconhecimento da existência da pedofilia dentro das paredes conventuais; na lógica separação do Estado da Igreja; da razão científica diferente da iluminada; da adesão às línguas nacionais em detrimento da hegemonia do latim clássico nos cerimoniais. É desta igreja mutante que falo, da linhagem religiosa que soube também deslocar o eixo analítico eurocentrado para aderir à vertente latino-americana consubstanciada na Teologia da Libertação.
Mas há um argumento a mais ao qual não devo negar registro: gosto de pensar um deus mais generoso, mais próximo de mim, menos castigador e mais compreensivo de minhas humanas falhas. Nada de culto ao Senhor das alturas e sim ao que desce aos singulares seres humanos e se reconhece neles. Por ver no Papa Francisco a capacidade de aproximação da realidade humana e pelo esforço em integrar todos no rebanho universal da Igreja é que me volto à religião. E também por esta via que retomo o tema destas palavras reunidas para afirmar minha simpatia por um catolicismo que não deixa de ser religação com todos os semelhantes independentemente de cor, credo, orientação sexual, número de casamentos, teores políticos. Afinal, católico não quer dizer universal? Então reafirmo sou católico sim, graças a Deus e aos meus irmãos que se juntam na busca de um mundo melhor no qual as diferenças tem lugar. Amém.

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