quarta-feira, 27 de julho de 2011

CONTANDO A VIDA 44

Nesta quarta, o Professor Sebe despede-se e presta homenagem à maior cantora do século XXI (até agora). 
Assim como fiquei sem palavras quando soube de sua morte, também não soube o que dizer quando descobri a dedicatória da crônica de hoje.
Obrigado.  


ADEUS, AMY

José Carlos Sebe Bom Meihy
para Roberto Bíscaro


Confesso que andava meio cansado de receber, com cadência repetida, clips de Amy Winehouse. Persistente, meu amigo Roberto Rillo Bíscaro não deixava passar semana sem enviar algo – notícia, canção, crítica – da musa prá lá de intrigante. Fui assim me familiarizando com aquela moça estranha, espalhafatosa ao máximo, que fazia as delícias de tablóides escandalosos, revistas de celebridades e jornalistas atentos a escândalos e excentricidades. Sem ser bonita, ela tratava de se “enfeiar” ainda mais e seus cabelos desalinhados em bolos de difícil definição combinavam com o mau gosto de tatuagens multiplicadas e exibidas sem pudor algum. Incomuns e até desprovidas eram suas roupas que, aliás, não combinavam com canções complicadas, negativas, mas sempre bem escolhidas. Fazendo-se caricatura da modernidade, não se importava em ser politicamente correta e mais do que forçar a aparência delinquente que lhe era natural, Amy pintou sem retoques uma vida de exageros extremados, desprezando todos os valores consagrados. Pior: no lugar externava asco e apatia pelo mundo convencional. Viver no limite da derrocada parecia ser desafio constante àquela moça que apregoava em canções autobiográficas a constante desventura de viver.

Amy ia, com insistência, na contramão de tudo que era sadio, correto, prezável. Não deixa de causar perplexidades notar que em época de princesas charmosas, culto insano à beleza e ao luxo, ela simplesmente desprezava tudo. Talvez aí resida o fascínio que exercia. Logicamente, diga-se, não lhe faltava talento, tanto como intérprete ou autora de músicas importantes no repertório da moderna música jovem. Sobretudo, vale celebrar a potência de sua voz e o tom entre nostálgico e rebelde. Grande cantora sem dúvidas, de evocações cabíveis às maiores expressões do ramo. Pelo avesso do sucesso, no entanto, outra presença existia, insistindo em desalinhar elogios cabíveis a quantos, mais do que ouvir músicas produzidas em estúdios, queriam saber do contexto daquela moça, falecida no entardecer deste julho como ícone da nova contracultura. Sua relação perigosa com as drogas, tabaco e com o álcool indicava a coerência com sua biografia. Filha de judeus britânicos, pai motorista de taxi, ela fazia questão de mostrar incompatibilidade com qualquer moral religiosa ou disciplina. Também desdenhava tradições e a rapidez dos efeitos das substâncias consumidas era a mesma da busca de novas emoções que pareciam cada vez mais exigentes. Entre casos amorosos multiplicados, dois de seus relacionamentos mais alardeados foram com adictos assumidos. Em 2007, se casou com Blake Fielder Civil e nesse mesmo ano teve uma overdose que motivou sua primeira internação. Algum tempo depois se relacionou com Peter Doherty, também dependente de drogas com quem viveu conflitos de alcance público. Era então, escândalo após escândalo, como se anunciasse a morte querida como fim único para acalmar uma vida amaldiçoada. Meditando sobre isto, o crítico Ruy Castro disse “Amy não passou anos lutando contra álcool e drogas. Lutou a favor. Nunca quis se tratar direito”.

Despontada em 2003, em 2006 alcançou as paradas de sucesso tendo chegado ao ápice com o segundo CD, Back to Black. Desse álbum, aliás, saiu a frase que lhe ficou marcada como reclamado antídoto “no, no, no”. Mas de nada adiantou afirmar que clamava por socorro, que precisava de um amigo e não de bebida ou de clínica de desintoxicação. Em homologia ao sucesso, fracassos em apresentações dimensionavam dias ruins. Em junho de 2008, em show no Rock in Rio em Lisboa, Amy caiu no palco. E não foi a única vez. O tombo se repetiu no Brasil, em Recife, no início deste ano. Antes da queda, em pleno palco, brigou com seus músicos, esqueceu-se de passagens de letras e fez figura triste. Mas estes foram apenas mais alguns degraus na escada de descida. É possível que sua pior apresentação tenha sido recentemente, em junho, em Belgrado onde foi vaiada sem piedade.
A consideração da problemática vivida por Amy Winehouse convida a perplexidades. O impacto do sucesso na vida de jovens intérpretes, artistas, pessoas de destaque em esportes, é algo que merece atenção. É verdade que sobre tantos vigora a chamada “síndrome dos 27 anos”, mas isso só não explica muita coisa. Grandes figuras do mundo musical contemporâneo passaram pela mesma “maldição” e tiveram, por iguais motivos, suas carreiras trucadas pela morte precoce. Foi assim com Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, todos acabados por drogas. O que nos cabe perguntar, por mais difícil que seja a resposta, é o nosso papel como consumidores desse estilo de artistas, interpretes e personagens. Será que ao consumir esses talentos, sem crítica devida, deificando suas loucuras, não estamos nós sendo os responsáveis? Pensemos. Por agora, porém, cabe uma lágrima coletiva, doída, amarga, pela protagonista de uma das histórias mais tristes da alvorada do nosso século XXI.  

Um comentário:

  1. Concordo em tudo com o prof. Sebe, amei as músicas postadas. Luto permanente por Amy.

    ResponderExcluir