domingo, 3 de julho de 2011

SUPERANDO A CADEIA


Livre para ser feliz
"Tudo começou na Sexta-Feira da Paixão de 2007. Namorava há dez meses um rapaz que era motoboy e ele me convidou para ir à sua casa, que eu não costumava freqüentar porque cursava direito no período noturno. Sou bolsista do ProUni (Programa Universidade para Todos). Logo depois que chegamos, três policiais armados arrombaram a porta e mandaram a gente se deitar no chão. Deram uma busca e encontraram drogas, balança de precisão e dinheiro lá. Meu namorado morava com amigos – todo mundo foi para a delegacia. Imaginei que logo seria dispensada, pois não devia nada. Mal sabia que o meu pesadelo duraria um ano e dois meses.
Naquela noite, ainda consegui pedir a um vizinho que avisasse minha mãe do que estava acontecendo. Não voltei mais para casa. Fiquei retida na delegacia por 15 dias, numa cela de 2 metros quadrados, lotada de gente – um colchão para quatro pessoas. Para completar, descobri que estava grávida de duas semanas. Fui transferida para uma penitenciária, passei 30 dias trancada em uma cela, incomunicável. Havia lesmas na comida, sofria de enjôos, comia só pão e bebia água. Minha mãe pediu para o advogado conversar com a diretora para autorizar a entrada de frutas, o pedido foi negado. Estava tão desesperada que, apesar de querer o meu bebê, pensei em suicídio.
Sempre fui muito quieta, mesmo assim as presas implicavam comigo, me achavam metida, patricinha Lá é uma mistura danada – mendigas, viciadas,
trombadinhas... Na prisão tem muito lesbianismo, mas nunca ninguém me molestou. Você tem que impor respeito e avisar que não admite esse tipo de aproximação. Muitas cedem porque sentem medo.

Com o tempo, parei de chorar tanto. Parece que o coração vai endurecendo ao ver tanta maldade e humilhação. Aos sete meses de gravidez, fui transferida para outra penitenciária, o pior lugar de todos – a pressão psicológica das agentes e enfermeiras é de enlouquecer: elas ameaçam tomar o filho da gente. Ninguém reclama porque teme represálias.
Apesar da situação, eu sempre quis ter o meu menino. Mas o parto se complicou, minha pressão subiu demais e por pouco nós dois não morremos – os médicos fizeram fórceps, o bebê já estava com o coração parando e tiveram que usar um desfibrilador. Mateus nasceu no final de 2007 e eu caí em depressão. Amamentei-o até os 4 meses, mas os seios infeccionaram. Só obtive autorização para dar leite em pó quando saía apenas sangue e pus de mim.

Eu estava melhorando a cada dia, mas meu filho teve uma crise grave de bronquite por causa da insalubridade do lugar. Percebi que era mais seguro dar a guarda dele para minha mãe. Ao tomar essa decisão, desabei completamente. Fui transferida para outro lugar, em que não conhecia ninguém, olhava para a foto do Mateus e chorava. Tive a sorte de encontrar detentas que me deram apoio, gente boa, solidária. Até hoje ligo para elas para saber como estão.
Finalmente, meu julgamento em segunda instância aconteceu no dia 3 de junho deste ano. Fui absolvida por unanimidade e saí da penitenciária na mesma data, à meia-noite, graças a Deus e a minha mãe, que tinha uma lojinha de artesanato e quase faliu porque só ficava andando atrás de fórum, tribunal. Ela ia à audiência procurar juiz e foi assim que conheceu o Virgílio de Mattos (professor, advogado e criminalista), do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Isso foi decisivo porque eles começaram a trabalhar para mim, fizeram uma defesa espetacular. O antigo advogado, o mesmo que atendia o pai do meu filho, pegou o dinheiro, mas nunca fez nada e, na primeira instância, me deixou ser sentenciada a oito anos e seis meses de cadeia.
No momento em que fui presa, muitas pessoas que se diziam amigas pularam do barco – até meu pai, que é mestre-de-obras e separado da minha mãe. Enquanto isso, ela e meu irmão casado passaram necessidade para me socorrer. Hoje estou em tratamento psicológico, minha memória falha e me sinto agressiva demais. Felizmente, fui muito bem recebida na faculdade, mas ainda estou revoltada contra o Estado – que não poderia ter me deixado presa tanto tempo. Estudo a possibilidade de mover uma ação para reparar todos os danos que sofri, e um professor se ofereceu para me ajudar nessa empreitada.

Levei o Mateus para conhecer o pai na prisão. Apesar de tudo, sei que ele está sofrendo e temos um vínculo familiar. Estou desempregada, mas com o apoio do Virgílio tenho trabalhado na organização de seminários no Tribunal da Justiça e no Conselho Regional de Psicologia. Quando me formar, vou ser criminalista. Quero lutar para impedir novas injustiças e pela dignidade nos presídios. Também pretendo dar aulas a jovens do ensino médio para que aprendam sobre os seus direitos. Sei que enfrentarei dificuldades para retomar a vida normal, mas nada me deterá. Tenho um filho para criar e muitos planos para concretizar.
ROSEANE CRISTINE ROCHA COSTA, 20 ANOS, UNIVERSITÁRIA
(Encontrado em http://claudia.abril.com.br/materias/3197/?pagina2&sh=31&cnl=31&sc=)

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