segunda-feira, 18 de julho de 2011

CAIXA DE MÚSICA 41

Grifo Rockocó

Roberto Rillo Bíscaro

Semana passada, deu crise de Gryphon, banda de folk-prog inglesa. Ouvi tudo que tenho deles mais de uma vez, especialmente as longas faixas instrumentais.
Há uns 40 anos, havia um surto de folk rock na Inglaterra. Grupos garimpavam séculos atrás por canções tradicionais ou compunham material próprio em chave folk. Resgate de raízes pra lamber feridas do império perdido? Sei lá; o que importa é que muita coisa bonita foi produzida, vide o trabalho do Amazing Blondel ou Lindisfarne (o Genesis chegou a abrir shows dessa banda há muito esquecida).
Alguns artistas misturavam música medieval com rock, jazz, música renascentista, barroca, romântica, concreta, daí a denominação folk-progressivo. Uma vez perguntaram porque eu não trocava esses grupos por música erudita, logo duma vez, afinal, se eles misturam tudo... Pois aí é que reside a graça pra mim. Numa suíte de 20 minutos, tem-se tudo isso misturado e permeado por teclados, com diversas alterações no andamento.
O Gryphon foi formado por egressos da Royal College of Music e tirou seu nome da lendária criatura de corpo de leão e cabeça/asas de águia. Em 1973, lançaram Gryphon, álbum de estréia, onde tocavam composições tradicionais inglesas da Idade Média e Renascença, usando instrumentos de época, como o fagote. Algumas composições próprias reproduziam o estilo passadista. Uma festa medieval de instrumentos de sopro e violões, salpicada por teclados meio eclesiásticos, em faixas curtas, várias com vocal. Sir Gavin Grimbold é bom exemplo:   

Em 74, a banda foi comissionada pra compor a trilha sonora duma montagem d’A Tempestade, de Shakespeare. Isso lhes inspirou pruma guinada musical. No mesmo ano, lançaram Midnight Mushrumps (“and you, whose pastime Is to make midnight-Mushrumps…”, como na peça do Bardo), que trazia junto com as baladas do medievo, uma suíte instrumental de quase 19 minutos, que ocupava um lado do vinil e batizava o álbum. Os instrumentos antigos foram mantidos e o grupo passeia por diversos estilos com mudanças constantes de andamento, retomada de temas à la música clássica e melodias lindas, ora em tons pastorais, ora eclesiásticos, ora mais vibrantes. O Gryphon entrava altivo no terreno do rock progressivo, vertente sinfônica.


No mesmo ano, veio seu melhor álbum. O conceitual Red Queen to Gryphon Three tem 4 longas faixas instrumentais que reproduzem momentos dum jogo de xadrez. Musicalmente muito complexo com temas que se repetem e/ou se transformam, o álbum traz guitarras, baixo, percussão, teclados e instrumentos medievais. Rock Renascentista? Claro que as influências são múltiplas, típico das boas bandas prog.
O disco abre com Opening Move em tons de marcha principesca e em geral tem tons plácidos; é o início da partida. A melodia torna-se tensa e intrincada na reta final; o jogo complica-se e o jogador começa a se preocupar, a parte final sendo introspectiva e lenta.

Second Spasm abre nervosa e complexa; o jogador está numa enrascada. Adrenalina rococó. Momentos contemplativos se sucedem; o enxadrista pensa no próximo movimento.

Lament é melancolia de fagote em sua grã parte. O jogador julga estar num beco sem saída, mas o final pontuado por mais instrumentos e energia indica que há esperança de reviravolta.

Checkmate entrega o ouro no nome. Lindos trechos de percussão militar e algum tipo de flauta medieval. Não esqueçamos o caráter de estratégia bélica do xadrez europeu. Essa seção traz momentos quietos, algo lúgubres; muita atenção é requerida. O final é jubiloso e rápido, ainda que tenso. A apoteose militar e clima de triunfo marcam a derrubada do rei oponente.

A argúcia temática e perícia instrumental do grupo atraíram a atenção de Steve Howie, guitarrista do megaprestigiado Yes. Ele levou o Gryphon pra abrir os shows da turnê norte-americana da banda, em 1975. O que poderia ter sido o estouro do Gryphon não passou de traque. De volta à Inglaterra, os membros originais começaram a debandar.
Em 1975, saiu Raindance, com canções menos criativas do que as dos álbuns anteriores. Era o começo do fim. Mesmo assim, ainda há um grande momento no álbum. O contato com o Yes influenciou o Gryphon, como pode ser notado nos mais de 16 minutos de (Ein Klein) Heldenleben, excitante instrumental que traz muito da pirotecnia do grupo de Jon Anderson. Guitarra e teclados, com baixo e percussão mais proeminentes do que nunca, dão á canção uma sonoridade fanfárrica, numa espécie de Inglaterra do século XVI plugada na tomada. As mudanças de compasso e andamento são de tirar o fôlego e a técnica dos músicos, impecável.


Após silêncio de 2 anos, a banda voltou com Treason, coleção de canções com um folk mais diluído, meio sem graça, com um pé no pop e outro numa sonoridade muito Middle of the Road (MOR, como ficou conhecido esse tipo de som). Agradável como música de fundo, mas mesmo nesse departamento há coisas melhores.

Treason foi o derradeiro trabalho do Gryphon, que, em 2007 prometeu álbum novo em seu site, mas até agora nada mais foi dito. Talvez seja melhor assim. Permanecem pros fãs as viagens eletrificadas elizabetanas da época de ouro do rock progressivo, pré-cusparada punk de 1977.  

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