quarta-feira, 13 de julho de 2011

CONTANDO A VIDA 42

A maior tempestade em copo d’água do primeiro semestre foi a polêmica fabricada em torno do livro de português que ensinava “errado” os alunos. Quase sempre engolindo os erres finais dos verbos, ouvi muita gente crucificar a obra, afirmando que era o caos e o fim do português.
Na crônica de hoje, o Professor Sebe posiciona-se sobre o assunto.

NÓS PEGA O PEIXE...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sim, vou falar deste assunto. Esperei a poeira perder altura, li todas as críticas que consegui juntar, meditei muito e, resoluto passo a defesa do corajoso livro assinado por Heloísa Ramos, “Para uma vida melhor”, publicado pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional do Livro Didático, na coleção “Viver, aprender”. O texto foi distribuído para cerca de 485 mil estudantes jovens e adultos do ensino fundamental e médio. A proposta tem como fundamento a defesa do que tecnicamente se conhece como “língua popular”, compreendida como manifestação viva dos modos plurais de falar português. Sim, língua tem vida, cresce, transforma-se, multiplica, evolui, admite variações ilimitadas e isso a faz democrática, mais bonita, rica e respeitadora de diferenças sociais, justificando a abrangência pretendida por Fernando Pessoa: “minha língua, minha pátria”.

É claro que existe o padrão erudito, refinado, modelar, mas além da “norma culta” há a expressão do povo com acomodações regionais, variantes de tratamento pronominal, apropriações históricas, indígenas, africanas, européias. É expressão peculiar do povo deseducado formalmente, marginalizado, sem acesso aos benefícios comuns aos que consideram a pureza da língua como norma única obrigatória a todos. E partamos do óbvio: um é o código lingüístico escrito; outro o oral. Para falar, usamos alguns recursos e para escrever outros. O tato, por exemplo, muda a relação fala/escrita, demanda treinos não naturais, exige ritmo diverso. Falar não é escrever, e diga-se, aliás, que existem estágios de linguagem como em função da água, há o estado gasoso, líquido e sólido. O curioso é que com a língua falada não se processa o mesmo que se dá com comidas, danças, manifestações regionais.
Ignorando os limites cerceadores emanados da elite que não consegue ver mudanças de comportamento, sem distinguir entre “errado” e “inadequado”, o que pretendem os críticos é vigorar o mais puro preconceito linguístico, correlato mecânico do princípio irritante que busca impor de maneira estática e fatal um modelo muitas vezes não dominado pelos próprios acusadores. Como se negassem ao povo o direito de mudar de nível social também pela educação gradual e dinâmica, progressiva e viável, o que pretendem os mandarins do saber é que levas de analfabetos pulem estágios de adaptação social e que mesmo pobres falem como “bem nascidos”. Isto é mais do que preconceito. Defendo a regra de ouro da transformação da fala em coerência com o nível de posicionamento social. Respeitar os “erros” dos não privilegiados por ensino razoável é maneira de pensar o amplo cenário que roubou de alguns, e deu a outros, o direito à educação. Exatamente por respeitar a capacidade humana de mudança é que se evidencia a fala consagrada apontando o caminho da democracia com direitos iguais a todos.
Outro ponto diz respeito a uma prática absurda, inscrita na tradição vulgarizada do “não li, não gostei”. Quantos “críticos” ou detratores por ouvir dizer, leram o livro? A descontextualização é um recurso calhorda. Fora da sequência argumentativa, tudo parece absurdo mesmo. Quando, porém, se coloca em processo evolutivo, muda-se o sentido. O livro em questão é aberto com indicações da conduta e prima pela consagração de supostos básicos para o aprendizado da língua escrita: coesão, clareza, observação das regras gramaticais. Convido todos a buscarem o livro da professora Heloísa Ramos e verificar o que segue à frase roubada do conjunto do argumento. Ela solenemente mostra que em vez de “nós pega o peixe” o melhor é “nós pegamos o peixe”. Ironicamente, penso que na ordem política o que se dá é o inverso. Os bem colocados na escala social é que erram e pensam que pegam o peixe pela adequação lingüística. “Nós pega o peixe” é a expressão avessa, o cacoete histórico, que as elites – também incultas e repletas de conteúdos linguísticos e políticos equivocados – usam para se pensar superiores. Invertendo a lógica, o povo é que manda seu recado ao falar “errado”. O que se almeja é o momento utópico em que pelo respeito, dignidade e observância do direito todos possamos dizer “nós pegamos o peixe”.

2 comentários:

  1. Aqui em Mococa .em um discurso publico um prefeito discursava em uma praça ao assumir o segundo mandato :Aquela praça ali fui eu que di .em um outro discurço no dia das mães disse publicamente : Queria agradescer minha mãe por ela ter metido ...ho ho ho
    Miguel

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  2. Acho mesmo que os erros linguísticos são reflexo de uma educação capenga, visivelmente ineficaz. Porém creio numa linguagem meio termo, com um mínimo de erudição (necessária pra quem pretende cursar uma boa universidade). Fato é que desde meus tempos de criança, falávamos errados e aprendíamos correto na escola, só que naquela época o Governo (Figueiredo, José Sarney...) não precisavam provar um baixo índice de analfabetismo pra se lançar dentre os paises europeus, agora precisam.
    Acho que as coisas deveriam ser como sempre foram, aprende-se corretamente na escola. O que falta são investimentos verdadeiros numa boa educação, o que acontece é legitimação da incompetência de vários governos que deixaram chegar a este ponto, um livro de gramática que ao meu ver (eu li o material)não preserva uma linguagem regional apenas, mas incentiva o "falar errado" que vai ser cobrado no futuro na forma de bons profissionais. Ao meu ver há muitos outros fatores que estão obscuros. Eu, particularmente, ainda tenho uma visão negativa deste episódio.

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