terça-feira, 23 de junho de 2015

TELINHA QUENTE 169


Roberto Rillo Bíscaro

Curioso. Enquanto a faixa etária dos 50 em diante é a única que se conserva – até cresce - como audiência das grandes redes ou mesmo da TV por assinatura nos EUA, são os serviços por streaming que nesse par de anos têm feito mais pela representação dos idosos como protagônicos. Transparent, da Amazon, trouxe o transgênero quase 70tão e em maio a Netflix disponibilizou os 13 episódios da primeira temporada de Grace & Frankie, sitcom criada por Marta Kauffman, famosa por ter co-criado Friends.
A premissa não difere tanto de Transparent: famílias lidando com os efeitos de pais saindo do armário. Grace (Jane Fonda, sensacional sempre!) é casada com o bem-sucedido advogado Robert (Martin Sheen), sócio de Sol (Sam Waterston, que eu lembrava dos oitentistas Hannah e Suas Irmãs e Setembro; nossa, como ele tá velhinho!), casado com Frankie (Lily Tomlin, a qual muita gente acha engraçada, então, ok, né?). Em um jantar, Robert e Sol anunciam que mantêm um relacionamento há 20 anos e pretendem deixar suas esposas e se casar. Grace e Frankie, que se suportavam por causa da sociedade dos maridos, têm que absorver e processar essa brusca mudança, ao mesmo tempo que passam a dividir uma casa na praia. Usando a incompatibilidade de personalidades à Um Estranho Casal (Jack Lemmon e Walter Mathau, memoráveis), Grace and Frankie aborda temas sociocomportamentais sérios de maneira leve e (razoavelmente) divertida. E passa também na aberta NBC, tem beijos gays de terceira idade e os EUA não sofreram nenhum cataclismo nem os heterossexuais estão sendo extintos por isso.
Não é sagaz como a também inclusiva Modern Family, mas as personagens são tão gostáveis, o elenco tão bom e as situações tão pertinentes e importantes de serem (re)tratadas que Grace & Frankie não demora a ganhar o afeto. Dá gosto ver aqueles septuagenários ativos, vivendo a vida, tendo a coragem de mudar, adaptando-se a novas estruturas emocionais/familiares e sendo tão humanos, embora personagens de sitcom, que acho que está mais pra dramédia.
2 esclarecimentos:
a)         A maliciosa ambiguidade do diminutivo Frankie, que soa algo como o masculino Frank, já fora usada pelo dramaturgo Terrence McNally em sua peça virada filme Frankie and Johnny in the Clair de Lune.
b)         A presença do “machão” Martin Sheen não deveria surpreender no papel do reservado Robert. O ator sempre foi simpático à causa gay e faz parte da representação televisiva desse segmento na TV norte-americana desde 1972, quando estrelou That Certain Summer, primeiro telefilme a representar um relacionamento gay de maneira não hostil. Morro de vontade de ver e não encontro; caso alguém consiga, avise.
O problema maior reside nos filhos de Grace/Robert e Frankie/Sol. Contrastando diametralmente com a inteligência e profundidade dos 4 veteranos, exceto por uma, os demais são muito rasos e um – o filho adotivo afro-americano do casal judeu (deixa pra lá discutir apelação...) – beira o retardamento mental. Marta, dear, ou dá um jeito nessa cria ou bota num saco e afoga no tanque, por favor!
Provavelmente porque os episódios estão disponíveis pra serem vistos em bloco – vi os 13 em 2 dias – tem-se a impressão duma série disfarçada: dá pra entender os capítulos separadamente, mas há um arco descrito neles, onde as personagens evoluem, fatos vão e vem, enfim, o conceito de sitcom aqui é diferente dos episódios bem mais independentes de Mary Tyler Moore, Supergatas ou a contemporânea Modern Family.
Pode não ser de rolar de rir, pode ter a hipponga personagem de Lily Tomlin que não me agrada(m), mas é terno, pró-ativo, suficientemente divertido, corajoso e tem a deliciosa Jane “sou-foda-mesmo-aos-70” Fonda e os adoráveis Martin e Sam, que deram tanta dignidade a esses senhores corajosos que também enfrentam uma barra ao se distanciarem das mulheres com as quais viveram por 4 décadas. Grace & Frankie valeria “só” por isso, mas seu valor é intrínseco; trata-se dum bom show, que ganhou segunda temporada, a que não vejo a hora de ter acesso.

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